Quando relembro os livros que li até hoje, as pessoas com quem falei, ou os abraços através dos quais conversei, não guardo já os traços dos rostos, as linhas das biografias, as estações que faziam. Aquilo que me fez pensar, sorrir ou chorar bem pôde ter a falta de gravidade de uma planta amarelecida que cai pelo Outono, a frescura de uma tempestade invernal, ou o ar abrasador que faz os bichos saírem das tocas no estio. Os meus mestres confundem-se como grãos de areia, ora alojados na ponta do dedo, ora na virilha. Todos me contam coisas, todos me levam pela mão, a passear pelo campo mais desterrado, a espetarem facas, a espetarem doces e maravilhas. Por vezes, nas intermináveis filas para pagar um Céline, ou um queque de laranja com a minha mãe, penso neste consumo interminável de traquitanas, de coisas, coisinhas. Penso no consumo dos mestres também. Mas quando faço esse esforço de pensar no que se pode chamar de biografia pessoal até acho que foram esses mestres que me consumiram, me beberam. Como um café, um shot de eternidade.
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