Para a Filipa
Uma senhora vestida de roxo e brincos pendentes começa a ventilar. Quer muito comprar. Era um livro e mais um candeeiro e uma posta de salmão. Tudo embrulhado com um lacinho na cabecinha do comprador que era ela. Quer muito comprar. Mas daqui até comprar há todo um número infinito de outros compradores que querem comprar. Meninos, velhos, gordos, o Samuel e a Salvadora. A Rita quer comprar, o menino nas palhas quer adquirir um burro-aquecedor para o Natal. A senhora de roxo ventila mais forte pois olha para o relógio e já espera há vinte minutos e aquele demorada compra está a impedir o natural rumo dos acontecimentos e de outras compras. Há que tomar uma decisão. Não vale a pena talvez esperar mais. Ainda falta adquirir, pelas suas contas, um pinhão em aço inoxidável, uma rua esconsa toda em barro e um frasquinho de absurda contemplação. Pousou os items e saiu da fila para pagar. A fila era já quase uma filha. Mas abandonou-a. Foi de imediato tentar arrombar outro estabelecimento atolado de pessoas. Meteu três cócós no carrinho e ala para pagar. Ela ainda queria muito comprar, as hormonas davam pulos, uma senhora da loja oferecia-lhe uma fatia de bolo rei enquanto esperava, mas a metadona não tinha o mesmo efeito. Começou a olhar para a zona de pagamento e viu dezenas de animais - focas, veados, elefantes, porcos e búfalas - tudo em fila indiana, tudo a ventilar. Nesse instante, a senhora de roxo pousou os cócós, tirou os brincos, chutou para longe as próprias botas que trazia calçadas, arrancou o soutien, e dos seus magros seios brotaram brancas e brilhantes penas. Olhou para o cimo da igreja colombiana e tentou subir. Com o esforço deu um peidinho. Finalmente, à segunda tentativa, partiu a cúpula envidraçada e voou.
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