Comecemos com uma fórmula matemática:
(Escritor=Deus) + (Mãe=Mãe Natureza) + (Casa=Terra) + (Intrusos=Humanidade pecadora) = Mother!
Parabéns ao matemático Aronofsky por tão eloquente exposição do seu teorema. Mas pergunto-me: depois disto, haverá mais qualquer coisa para o pobrezinho do espectador? Qualquer coisinha após este sudoku moralizador que trata os corações como diamantes partidos e renascidos?
Após ver o último Aronofsky, cineasta que nem desgosto, não pude deixar de passar dois ou três desabafos a escrito. Ver Mother! é assistir à penosa via sacra do espectador a caminho da metáfora-calvário. Aguardar a meticulosa elaboração de uma surpresa. Tão meticulosa que, quando chega o momento do "ah!", já só ouvimos o timbre maquinal com que este é proferido, e já só vemos as cordas que seguram os maxilares do espanto do espectador-espantalho. É o problema do autor como grande Criador, mãe-pai de uma teoria que vai metendo a custo na camisa de forças de um filme, com personagens-marioneta, que só existem afinal para adorar o grande Deus, ou a "Inteligência" do Pai. Acreditar nisto, neste tipo de filmes taxidermistas, que faz de nós seres empalhados, é achar que o cinema é contentor de "Mensagem", achar que somos os grandes servos do grande "Conteúdo", achar à pressão um "Tudo" no qual acreditar que substitua o "Nada" que nos deixa incrédulos. Mas é sobretudo não acreditar numa palavra do que foi o cinema moderno, em todo o esplendor do seu falhanço e do ataque às superfícies brilhantes e sem rugas. Por vezes, até parece que entra uma aragem de um surrealismo leve, mas no final percebemos que já tudo estava previsto. Um surrealismo de ocasião, utilitarista, que quer parecer experimental, mas que tem sobretudo a imobilidade das grandes imagens idólatras.
Em Mother!, como nos mais comuns actos da fé, ou se acredita ou não. Mas o que há para não acreditar quando tudo já foi recitado? Precisamente, tudo. Não se acredita em Mother! na medida em que o cinema (a arte) não deveria (creio!) servir a crença, nem a conversão. A arte serve para não ter casa própria, para não poder jogar com a ideia da ordem a ser conspurcada pelo visitante-espectador que vem abandalhar a grande criação.
Que outra coisa é a metáfora na arte senão a ideia da casa arrumada? Que outra coisa é a metáfora na arte senão a sensibilidade empalhada pela razão?
Liberdade é aquilo que não existe em Mother! E o espectador, que é o grande sem abrigo do cinema, aquele que reclama para si a construção das metáforas mentais, o espaço da criação que quer partilhar (ao menos) com o grande "Criador", esbraceja procurando um espaço que seja seu. Mas em vão, pois já tudo foi pensado. E o inaudito acontece: o Apocalipse parece o início da criatividade. O espaço onde o espectador pode afinal respirar, depois do desatravancar das casas-metáforas opressivas, depois do cheiro a carne queimada da teoria a esfarelar-se.
Resumindo: não percebo como alguém consegue ver «um grande filme» em Mother.
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