sexta-feira, 8 de setembro de 2017

"Voyage à travers le cinéma français" de Bertrand Tavernier


Já perto do fim desta viagem de Bertrand Tavernier pelo cinema francês, o realizador conta que no fim da rodagem de Léon Morin, prêtre (Léon Morin – O Padre 1961) Melville lhe disse que ele como assistente era péssimo, mas que, por sua vez, era um bom promotor de filmes. Vai daí e pô-lo em contacto com o produtor Georges de Beauregard, que o levou a trabalhar na promoção de alguns filmes do Godard, Jacques Rozier ou Agnès Varda. O que me interessa nesta sentença, um pouco brutal, dada por Melville a um jovem de 20 anos é que é essa função de publicista que Tavernier activa neste Voyage à travers le cinéma français (Uma Viagem pelo Cinema Francês com Bertrand Tavernier, 2016). Tendo feito alguns filmes interessantes sobretudo na década de 70 e 80, Tavernier parece aqui estender a sua mão de crítico sentimental, que exerceu nos Cahiers e na Positif (entre outras revistas), e pôr lado a lado as suas memórias desde a infância com alguns realizadores, filmes, actores do cinema francês marcantes para a sua cinefilia. Dessa viagem, que oscila apenas entre os anos 30 e 80, Tavernier vai alternando momentos que parecem ensaios críticos puros – como quando pára a imagem e vai à procura de um segundo plano que ninguém viu e que foi sempre tratado como um puro plano sequência de Le crime de Monsieur Lange (O Crime do Sr. Lange, 1936) de Renoir -, com memórias de menino – quando viu alguém aquecer e comer uma lata de ervilhas ao seu lado numa sala de cinema – ou curiosidades, por vezes inconfidências, cinéfilas: ouvimos o áudio de Belmondo e Melville aos berros um com o outro no já referido filme do segundo ou Jean Gabin, um dos segmentos é dele, a contar como achava Renoir um génio como cineasta, mas como homem uma puta.
Desta colagem um tanto convencional de elementos há que dizer que, apesar da subjetividade um tanto cinema-paraíso, com Tavernier com as suas mãos em modo Pacheco Pereira a contar muitas histórias, temos um filme que dele emerge. Surge-nos algures através do poder das cenas que Tavernier vai escolhendo dos filmes de Becker, Melville, Godard, Truffaut, Claude Sautet, ou outros nomes mais improváveis, como Eddie Constantine ou Edmond Gréville (ou ainda o segmento dedicado ao trabalho dos compositores, Maurice Jaubert e Joseph Kosma). Como se essa entidade impossível,  “o cinema francês”, se organizasse, pusesse uns planos a tocar os outros, evocando, excitando, a memória, a curiosidade, o voyeurismo (porque não?) do neófito espectador desprecavido para o poder do cinema. E esta talvez seja a principal virtude do documentário: se é verdade que, como disse Deleuze, “o cérebro é o ecrã”, o do Tavernier não é suficientemente solto e criativo para fazer as ditas imagens voar como em Histoire(s) du cinéma, nem tão sedutor como Scorsese num filme irmão, A Personal Journey Through American Movies (1995).  Mas talvez o seu amor pelo cinema, que procura contornar a cronologia, seja combustível o suficiente para que, dos seus segmentos de “ensaios audiovisual au ralenti” ou das suas memórias, nasça uma vontade de recordar ou de conhecer o cinema francês, que é como quem diz, o cérebro do cinema tout court.

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