domingo, 17 de setembro de 2017

Árvore da Cinefilia #19- Rui Alves de Sousa


Na minha vida o cinema surgiu muito antes de o ter descoberto no lugar mais apropriado (e, se não me engano, isso aconteceu com a primeira sequela de «Toy Story» numa das salas do centro comercial das Amoreiras, com a minha Avó). Graças à televisão e a uma série de VHS de filmes da Disney ou derivados (que foram utilizadas para visionamentos incontáveis – resultando em algumas fitas partidas e avarias ocasionais do videogravador), comecei a ter desde cedo um contacto permanente com o cinema. É claro que, na infância, esse contacto não se reveste de cinefilia. No entanto, algumas das “bases” do meu gosto pelo cinema encontram-se aí, entre a sequência das vassouras do «Fantasia» e o momento magnífico de «Pinocchio» em que o boneco ganha vida graças ao condão da fada azul.

Andemos o “filme” da minha vida uns anos mais para frente, precisamente para o Natal de 2006, e mudemos de formato. «The Great Dictator» (Charles Chaplin, 1940) foi o primeiro filme em DVD que recebi. O VHS ainda imperava lá em casa (ainda era muito utilizado e não tinha sido ainda totalmente aniquilado pelo seu opositor), mas os discos versáteis começavam a fascinar-me. Era todo um mundo novo, mais high-tech e sofisticado, que não incluía os incómodos do rebobinanço nem da deterioração constante da imagem.

De Chaplin já conhecia algumas coisas, graças a algumas curtas que apanhara ocasionalmente na televisão. Na santa ignorância dos meus 11 anos, não sabia que ele tinha feito filmes falados! Daí que tinha mais uma razão para descobrir, o mais depressa possível, o conteúdo daquela caixinha que, mais tarde, percebi que continha também um conjunto de valiosos extras.

É difícil descrever exactamente o que «The Great Dictator» fez por mim desde então, mas é até hoje um dos filmes mais importantes, um dos que me “definem” enquanto cinéfilo. Não sei escolher a melhor coisa dele, mas houve muitas que foram importantes. Estão são algumas: ver pela primeira vez como Chaplin era bem mais do que um homem da slapstick; perceber como o cineasta, a falar, conseguia ser tão forte como se não utilizasse essa ferramenta; e olhar para o cinema como uma porta para o que há de melhor e pior na humanidade. Há tudo isto e tantas coisas mais, numa sátira genial e corajosa com alguns dos mais belos planos (recordo-me por exemplo, do momento em que a câmara se fixa numa gaiola e no seu pássaro, enquanto algo de muito grave se passa no “meio humano”, na ditadura opressiva, e tão actual).

No dia em que vi «The Great Dictator» pela primeira vez, tudo mudou. Senti que o meu gosto pelo cinema passara para um outro patamar. Não queria só ver os filmes, mas também ir mais além e perceber tudo – as intenções do realizador, o contexto, a linguagem cinematográfica, etc. O filme deu-me muito, e a sua importância aumenta na minha vida a cada dia que passa.

Passaram-se mais de dez anos e ainda tenho esse DVD, que já revisitei muitas, muitas vezes. E continua impecável. 

*Rui Alves de Sousa

*O Rui é o autor do podcast À Beira do Abismo, redactor da Take Magazine e stand up comedian nas horas vagas.


Para saber mais sobre a rubrica Árvore da Cinefilia.
Edições anteriores: #1 Francisco Rocha
                                    #2 Pedro Correia
                                    #3 Carlos Alberto Carrilho
                                    #4 Álvaro Martins
                                    #5 Leandro Schonfelder
                                    #6 Samuel Andrade
                                    #7 Vítor Ribeiro
                                    #8 José Marmeleira
                                    #9 Maria João Madeira
                                    #10 João Lisboa 
                                    # 11 Ricardo Vieira Lisboa  
                                   #12 Daniel Curval  
                                    #13 Inês N. Lourenço
                                    # 14 Alexandre Andrade
                                    # 15 Vasco Câmara
                                                    # 16 Bruno Andrade
                                                    # 17 Carlota Gonçalves
                                   #18 Luís Mendonça


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