Na minha vida o cinema surgiu muito antes de o ter
descoberto no lugar mais apropriado (e, se não me engano, isso aconteceu com a
primeira sequela de «Toy Story» numa das salas do centro comercial das
Amoreiras, com a minha Avó). Graças à televisão e a uma série de VHS de filmes
da Disney ou derivados (que foram utilizadas para visionamentos incontáveis –
resultando em algumas fitas partidas e avarias ocasionais do videogravador),
comecei a ter desde cedo um contacto permanente com o cinema. É claro que, na
infância, esse contacto não se reveste de cinefilia. No entanto, algumas das
“bases” do meu gosto pelo cinema encontram-se aí, entre a sequência das
vassouras do «Fantasia» e o momento magnífico de «Pinocchio» em que o boneco
ganha vida graças ao condão da fada azul.
Andemos o “filme” da minha vida uns anos mais para frente,
precisamente para o Natal de 2006, e mudemos de formato. «The Great Dictator»
(Charles Chaplin, 1940) foi o primeiro filme em DVD que recebi. O VHS ainda
imperava lá em casa (ainda era muito utilizado e não tinha sido ainda
totalmente aniquilado pelo seu opositor), mas os discos versáteis começavam a
fascinar-me. Era todo um mundo novo, mais high-tech e sofisticado, que
não incluía os incómodos do rebobinanço nem da deterioração constante da
imagem.
De Chaplin já conhecia algumas coisas, graças a algumas
curtas que apanhara ocasionalmente na televisão. Na santa ignorância dos meus
11 anos, não sabia que ele tinha feito filmes falados! Daí que tinha mais uma
razão para descobrir, o mais depressa possível, o conteúdo daquela caixinha
que, mais tarde, percebi que continha também um conjunto de valiosos extras.
É difícil descrever
exactamente o que «The Great Dictator» fez por mim desde então, mas é até hoje
um dos filmes mais importantes, um dos que me “definem” enquanto cinéfilo. Não
sei escolher a melhor coisa dele, mas houve muitas que foram importantes. Estão
são algumas: ver pela primeira vez como Chaplin era bem mais do que um homem da
slapstick; perceber como o cineasta, a falar, conseguia ser tão forte como se
não utilizasse essa ferramenta; e olhar para o cinema como uma porta para o que
há de melhor e pior na humanidade. Há tudo isto e tantas coisas mais, numa sátira genial e corajosa com
alguns dos mais belos planos (recordo-me por exemplo, do momento em que a
câmara se fixa numa gaiola e no seu pássaro, enquanto algo de muito grave se
passa no “meio humano”, na ditadura opressiva, e tão actual).
No dia em que vi «The Great Dictator» pela primeira vez,
tudo mudou. Senti que o meu gosto pelo cinema passara para um outro patamar.
Não queria só ver os filmes, mas também ir mais além e perceber tudo – as
intenções do realizador, o contexto, a linguagem cinematográfica, etc. O filme
deu-me muito, e a sua importância aumenta na minha vida a cada dia que passa.
Passaram-se mais de dez anos e
ainda tenho esse DVD, que já revisitei muitas, muitas vezes. E continua
impecável.
*Rui Alves de Sousa
*O Rui é o autor do podcast À Beira do Abismo, redactor da Take Magazine e stand up comedian nas horas vagas.
Para saber mais sobre a rubrica Árvore da Cinefilia.
Edições anteriores: #1 Francisco Rocha
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#12 Daniel Curval
#13 Inês N. Lourenço
# 14 Alexandre Andrade
# 15 Vasco Câmara
# 16 Bruno Andrade
# 17 Carlota Gonçalves
#18 Luís Mendonça
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