segunda-feira, 25 de setembro de 2017
domingo, 24 de setembro de 2017
Árvore da Cinefilia #20- Carlos Pereira
Dentro desse núcleo dos filmes que amamos, teremos sempre os filmes que são pontos de viragem e de não retorno. Como se vivêssemos numa casa e descobríssemos portas - antes fechadas, impenetráveis, invisíveis aos nossos olhos - que nos dão acesso a novas divisões e dimensões: passagens para outra percepção das possibilidades do cinema. Talvez sejam estes os filmes da nossa vida, os que nos estruturam o olhar, contendo e expressando a nossa vida interior, os nossos desejos, medos e contradições.
Tinha três anos quando vi numa sala de cinema o “Bambi”, inscrito na minha linha biográfica como o meu primeiro filme. Não tenho qualquer memória concreta do momento, mas é curioso que a consciência da morte seja, ainda hoje, o tema que mais me move. Filme sobre a passagem do tempo, sobre o processo de luto, sobre a amizade e o amor, “Bambi” parece abranger, nos seus setenta minutos, a fenomenologia de viver no mundo.
Aos dezassete anos, após ver o “Aurora” do Murnau, desisti da ideia de ser advogado para concorrer à escola de cinema. Lembro-me de ficar tão siderado que percebi que não queria apenas passar a vida a ver filmes, mas também fazê-los. O caminho do cinema é violento, tão construtivo como auto-destrutivo, mas soube desde o primeiro dia de aulas que tinha encontrado o meu lugar.
Meses depois de ter entrado na escola de cinema, durante uma sessão na Cinemateca, lembro-me de um plano do “The Shop Around the Corner” do Lubitsch que me deixou sem coordenadas. Foi talvez o primeiro plano que me fez pensar no próprio conceito de plano. Percebi que uma imagem podia conter simultaneamente uma lógica estética, intelectual e emocional. Apreendi que havia ordens, sentidos e efeitos dentro da complexa estrutura do cinema. Senti que um plano era uma ação que arrasta consigo ecos e sonhos, jogando com esse momento onde o passado e o futuro colidem. Um plano onde a mão de Klara Novak (Margaret Sullavan) procura, em vão, uma carta numa caixa de correio. Uma mão que abarcava toda a fome afetiva, toda a vontade de encontrar e de ser encontrado, num momento a que se seguiria a desilusão e o vazio. A vida a acontecer, portanto.
Cada ida à sala de cinema é, será sempre, uma mão à procura de uma possibilidade.
Carlos Pereira*
*Carlos Pereira é realizador e programador de cinema, trabalhando atualmente como membro do comité de seleção para a Berlinale (Generation).
Para saber mais sobre a rubrica Árvore da Cinefilia.
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# 16 Bruno Andrade
# 17 Carlota Gonçalves
#18 Luís Mendonça
#19 Rui Alves de Sousa
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quarta-feira, 20 de setembro de 2017
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
Coelho Mau - Carlos Conceição
É o primeiro plano de Coelho Mau (2017) e já estamos em viagem. Seguimos uma mota e a câmara passa, de forma elegante, das rodas da viatura e da estrada alcatroada até aos seus dois jovens ocupantes - João Arrais, presença obrigatória do imaginário de Carlos Conceição, e Julia Palha. Ele tem um chapéu de orelhas de coelho, ela uma máscara de oxigénio. Adereços de juventude ou necessidades de idade adulta? O filme, claro, não dará resposta evidente, pois é nesse "entre" que habita. As oposições criativas entre a carne "culpada" e a alma inocente (penso precisamente em Carne de 2010), entre a turbina da juventude e a desaceleração da velhice [o mesmo Arrais e Isabel Ruth em Versailles (2013)], e finalmente, entre o moralismo dos contos de fadas e o fetichismo dos contos de fodas, são tudo terrenos onde Carlos Conceição quer plantar as sementes da sua discórdia cinematográfica.
A atitude não parece ser uma curiosidade por ver o "sangue" que resulta do embate destas realidades tradicionalmente separadas. Trata-se de fazer ver que, como aqui neste seu último filme, não há uma verdadeira separação entre o coelho e o lobo, entre o maravilhoso e o perverso, entre o desejo sexual e o acto de abnegado sacrifício. Por isso é tão importante aquele momento em que a personagem do João, depois de entregar a sua irmã "às feras", cá em baixo junta à sua casa na árvore, imita um mocho e é do bosque que lhe vem a reposta: um uivo de lobo. Ao contrário do que acontece algumas vezes no formato curto - onde cada plano, pelo seu apuro formal, poderia ser em si mesmo uma curta-metragem - em Coelho Mau as personagens vêem o seu universo expandido pela noite que as habita e que aos seus problemas lhes responde. Estamos assim na arte de tornar o curto-longo, na capacidade de sugerir pelos indícios um mundo mais aberto, onde ao espectador "desamparado" lhe vem, simultaneamente, a inocência demencial de James Stewart e o seu amigo em Harvey (1950), a bizarria cool que foi o filme de Richard Kelly em 2001, Donnie Darko, e claro, o monstro nocturno de látex, de O Fantasma (2000), de João Pedro Rodrigues, realizador que é, por cá, o parente mais natural para o seu cinema.
RACCORDS DO ALGORITMO
Amigos, a partir deste mês, no "À pala de Walsh", vou assinar uma nova crónica dedicada a estabelecer relações/raccords entre vídeos e imagens exclusivamente encontradas online. Chama-se "Raccords do Algorítmo" e neste primeiro número, que funciona como uma espécie de prefácio, tentei lançar as bases teóricas do que me motivou a escrever. Nela falo dos problemas da "algoritmização do quotidiano" e ainda encontro um espacinho para escrever sobre a forma como o David Lynch cozinha quinoa, sobre o vídeo mais visto do Youtube, e a maneira como Sternberg dirige os seus actores. Espero que gostem.
domingo, 17 de setembro de 2017
Árvore da Cinefilia #19- Rui Alves de Sousa
Na minha vida o cinema surgiu muito antes de o ter
descoberto no lugar mais apropriado (e, se não me engano, isso aconteceu com a
primeira sequela de «Toy Story» numa das salas do centro comercial das
Amoreiras, com a minha Avó). Graças à televisão e a uma série de VHS de filmes
da Disney ou derivados (que foram utilizadas para visionamentos incontáveis –
resultando em algumas fitas partidas e avarias ocasionais do videogravador),
comecei a ter desde cedo um contacto permanente com o cinema. É claro que, na
infância, esse contacto não se reveste de cinefilia. No entanto, algumas das
“bases” do meu gosto pelo cinema encontram-se aí, entre a sequência das
vassouras do «Fantasia» e o momento magnífico de «Pinocchio» em que o boneco
ganha vida graças ao condão da fada azul.
Andemos o “filme” da minha vida uns anos mais para frente,
precisamente para o Natal de 2006, e mudemos de formato. «The Great Dictator»
(Charles Chaplin, 1940) foi o primeiro filme em DVD que recebi. O VHS ainda
imperava lá em casa (ainda era muito utilizado e não tinha sido ainda
totalmente aniquilado pelo seu opositor), mas os discos versáteis começavam a
fascinar-me. Era todo um mundo novo, mais high-tech e sofisticado, que
não incluía os incómodos do rebobinanço nem da deterioração constante da
imagem.
De Chaplin já conhecia algumas coisas, graças a algumas
curtas que apanhara ocasionalmente na televisão. Na santa ignorância dos meus
11 anos, não sabia que ele tinha feito filmes falados! Daí que tinha mais uma
razão para descobrir, o mais depressa possível, o conteúdo daquela caixinha
que, mais tarde, percebi que continha também um conjunto de valiosos extras.
É difícil descrever
exactamente o que «The Great Dictator» fez por mim desde então, mas é até hoje
um dos filmes mais importantes, um dos que me “definem” enquanto cinéfilo. Não
sei escolher a melhor coisa dele, mas houve muitas que foram importantes. Estão
são algumas: ver pela primeira vez como Chaplin era bem mais do que um homem da
slapstick; perceber como o cineasta, a falar, conseguia ser tão forte como se
não utilizasse essa ferramenta; e olhar para o cinema como uma porta para o que
há de melhor e pior na humanidade. Há tudo isto e tantas coisas mais, numa sátira genial e corajosa com
alguns dos mais belos planos (recordo-me por exemplo, do momento em que a
câmara se fixa numa gaiola e no seu pássaro, enquanto algo de muito grave se
passa no “meio humano”, na ditadura opressiva, e tão actual).
No dia em que vi «The Great Dictator» pela primeira vez,
tudo mudou. Senti que o meu gosto pelo cinema passara para um outro patamar.
Não queria só ver os filmes, mas também ir mais além e perceber tudo – as
intenções do realizador, o contexto, a linguagem cinematográfica, etc. O filme
deu-me muito, e a sua importância aumenta na minha vida a cada dia que passa.
Passaram-se mais de dez anos e
ainda tenho esse DVD, que já revisitei muitas, muitas vezes. E continua
impecável.
*Rui Alves de Sousa
*O Rui é o autor do podcast À Beira do Abismo, redactor da Take Magazine e stand up comedian nas horas vagas.
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quinta-feira, 14 de setembro de 2017
Da série "daqueles dilemas"
#1- Há filmes que, das duas uma, ou possuem uma simplicidade demasiado complexa, ou a sua complexidade é demasiado simples.
#2- Há filmes que, das duas uma, ou têm personagens que são natureza mortas, ou têm naturezas mortas que desejam ser personagens.
terça-feira, 12 de setembro de 2017
domingo, 10 de setembro de 2017
Árvore da Cinefilia #18- Luís Mendonça
Lembro-me perfeitamente do momento em que se deu a minha cine-filiação. Foi na RTP2, na apresentação de João Bénard da Costa a Spellbound. Bénard isolava de todo o filme a sequência do beijo entre Ingrid Bergman e Gregory Peck. Hitchcock filmava o pico da paixão através de uma metáfora: várias portas que se abriam em direcção ao infinito. Era a suprema imagem da volúpia. A paixão não conhecia obstáculos. Não havia segredos atrás da porta, mas somente puro êxtase. Este beijo não é só um beijo, parecia que explicava assim João Bénard da Costa. Através do cinema, aquele encontro de lábios rompia com o espaço e com o tempo. Esta lição de Bénard, prévia ao filme, deu-me a ver uma possibilidade que me abriu os olhos acerca da potência de um cinema – o da Hollywood clássica – que me iria habituar a ter como uma casa: se o encontro daqueles dois lábios pode tudo, também o encontro do olho com a superfície das imagens permite todas as viagens. E como podemos sonhar à boleia de refinados – e até docemente envergonhados – momentos de paixão fílmica apresentados num filme com mais de 60 anos...
Por portas e mais portas. É este o percurso do cinéfilo no encontro com os objectos do seu desejo – os filmes e, neles, os rostos das estrelas, os gestos dos corpos, os movimentos de câmara, os embates da luz no cenário, uma cosmologia que existe apenas ali, na cabeça. Não, Bénard era um romântico e punha a cinefilia sob o signo do coração. Punha, desse modo, o coração a ver, e a rever, e a rever-se, num filme psicanalítico filmado por Hitchcock, sonhado por Dali. Quando vi a sequência do beijo, previamente lida por Bénard, já não vi outra coisa senão a leitura dessa sequência que o ex-director da Cinemateca Portuguesa me presenteara. O cinema estava no modo, tão contagiante, como olhamos e sentimos os filmes. A cinefilia é o feitiço que permite que o cinema nunca se esgote ou se canse de nós ou nos "feche a porta". Uma história de amor sobre portas e mais portas que se abrem para lado nenhum. Até ao infinito.
*Luís Mendonça
*O Luís além de ser um dos membros fundadores do site À pala de Walsh é também doutorado em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É ainda autor do livro "Fotografia e Cinema Moderno: Os Cineastas Amadores do Pós-Guerra".
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sexta-feira, 8 de setembro de 2017
"Voyage à travers le cinéma français" de Bertrand Tavernier
Já perto do fim desta viagem de Bertrand Tavernier pelo cinema francês, o realizador conta que no fim da rodagem de Léon Morin, prêtre (Léon Morin – O Padre 1961) Melville lhe disse que ele como assistente era péssimo, mas que, por sua vez, era um bom promotor de filmes. Vai daí e pô-lo em contacto com o produtor Georges de Beauregard, que o levou a trabalhar na promoção de alguns filmes do Godard, Jacques Rozier ou Agnès Varda. O que me interessa nesta sentença, um pouco brutal, dada por Melville a um jovem de 20 anos é que é essa função de publicista que Tavernier activa neste Voyage à travers le cinéma français (Uma Viagem pelo Cinema Francês com Bertrand Tavernier, 2016). Tendo feito alguns filmes interessantes sobretudo na década de 70 e 80, Tavernier parece aqui estender a sua mão de crítico sentimental, que exerceu nos Cahiers e na Positif (entre outras revistas), e pôr lado a lado as suas memórias desde a infância com alguns realizadores, filmes, actores do cinema francês marcantes para a sua cinefilia. Dessa viagem, que oscila apenas entre os anos 30 e 80, Tavernier vai alternando momentos que parecem ensaios críticos puros – como quando pára a imagem e vai à procura de um segundo plano que ninguém viu e que foi sempre tratado como um puro plano sequência de Le crime de Monsieur Lange (O Crime do Sr. Lange, 1936) de Renoir -, com memórias de menino – quando viu alguém aquecer e comer uma lata de ervilhas ao seu lado numa sala de cinema – ou curiosidades, por vezes inconfidências, cinéfilas: ouvimos o áudio de Belmondo e Melville aos berros um com o outro no já referido filme do segundo ou Jean Gabin, um dos segmentos é dele, a contar como achava Renoir um génio como cineasta, mas como homem uma puta.
Desta colagem um tanto convencional de elementos há que dizer que, apesar da subjetividade um tanto cinema-paraíso, com Tavernier com as suas mãos em modo Pacheco Pereira a contar muitas histórias, temos um filme que dele emerge. Surge-nos algures através do poder das cenas que Tavernier vai escolhendo dos filmes de Becker, Melville, Godard, Truffaut, Claude Sautet, ou outros nomes mais improváveis, como Eddie Constantine ou Edmond Gréville (ou ainda o segmento dedicado ao trabalho dos compositores, Maurice Jaubert e Joseph Kosma). Como se essa entidade impossível, “o cinema francês”, se organizasse, pusesse uns planos a tocar os outros, evocando, excitando, a memória, a curiosidade, o voyeurismo (porque não?) do neófito espectador desprecavido para o poder do cinema. E esta talvez seja a principal virtude do documentário: se é verdade que, como disse Deleuze, “o cérebro é o ecrã”, o do Tavernier não é suficientemente solto e criativo para fazer as ditas imagens voar como em Histoire(s) du cinéma, nem tão sedutor como Scorsese num filme irmão, A Personal Journey Through American Movies (1995). Mas talvez o seu amor pelo cinema, que procura contornar a cronologia, seja combustível o suficiente para que, dos seus segmentos de “ensaios audiovisual au ralenti” ou das suas memórias, nasça uma vontade de recordar ou de conhecer o cinema francês, que é como quem diz, o cérebro do cinema tout court.
domingo, 3 de setembro de 2017
Árvore da Cinefilia #17- Carlota Gonçalves
Se andar para trás encontro muitos filmes vistos entre projecções domésticas, drive ins, cineclubes, salas pequenas e grandes, numa infância e pré adolescência em África, (Moçambique), ela já tão cheia de imagens. Daí saíram animações, aventuras, peplums, westerns, comédias, filmes indianos Bollywood românticos e dançantes, etc., etc. Gostava disto tudo com a permeabilidade de quem está a descobrir o mundo pela mão do pai que levava a família toda nestas viagens – pai, era exactamente igual a cinema.
Adorei sempre uma animação da Menina dos Fósforos que nunca via morrer, para mim ela dormia e sonhava, descobri mais tarde a linda versão do Renoir de 1928. Depois disto foi tanto filme que ficaria a dar muitas voltas para os mapear por ordem, ou desordem de gosto e atracção. Lembro-me do contexto associado à experiência do filme, isso é fácil lembrar, de arrastar um amigo francês, em Paris, para ver ‘’O último ano em Marienbad’’, do Resnais, que ele à partida achava chato. E finalmente não achou, gostou mesmo muito e eu gostei também, daquela matinée e daquele fio de palavras e memórias e da liberdade narrativa de andar para trás e para a frente – viva o nouveau roman! Lembro-me também logo do estrondoso "Le Mépris", o Godard perfeito, é fácil gostar é certo, dizia ser o meu filme preferido. Saí com a voz da BB, o seu o tom voluntarioso, agreste, ela em Camille, com a resposta na ponta da língua: “Paul: Pourquoi as-tu l’air pensive?” “Camille: Parce que je pense, imagine-toi!”. O filme tinha tudo do cinema e das outras coisas, e tinha ainda o Fritz Lang – outro que adoro. Com o Lang entrei nos filmes noir, lugar de puro prazer de onde ainda não saí. Ainda houve antes o Bogart (que o pus na parede), e a "Relíquia Macabra", aquele falcão maltês desenhou-me um sub mundo supra sedutor. A partir daí foi só abrir portas. Com o intrépido Bunuel foi um amor sem fim a mostrar a arma poderosa do humor a decompor o mundo, e o mundo visto à sua lupa. O Fuller foi outra perdição, há poucas palavras para o vigor e dimensão do seu cinema. Depois veio o Franju e o Borzage como belos encontros (beleza de fundo e formal), que valeram muito e continuam a valer.
Outra experiência de filme ligado ao contexto foi o magnífico "O Salão de Música", do Satyajit Ray, o genérico colou-se-me. Que forma mais enleante de entrar num filme, se não visse mais nada aquele início já tinha valido. Depois viria a personagem a fundir-se com o lustre, a olhar-nos, a entrar no seu círculo obsessivo, o salão, a música, (muita), a dança, o transe, tudo a puxar para o interior do filme. Mas o lustre, (metonímico), do genérico foi o que me ficou a bailar na cabeça e permitiu uma entrada hipnótica pelo filme dentro. O cinema a entrar assim com aquele pré-aviso, a crescer à minha frente, foi incrível, a mostrar a sua face obscura, profética, com uma clareza cega de uma missão a cumprir. Nunca mais o esqueci, revi-o depois mais vezes e gosto sempre daquele convite, daquela entrada no escuro do filme e no cinema.
E vou parar por aqui para não continuar com os westerns que adoro e entrar mais na poeira da memória com drama e paisagem a colar à pele.
*Carlota Gonçalves
* A Carlota é programadora no IndieLisboa, colaboradora no site À pala de Walsh, além de leccionar na área da estética.
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