Receio que possa passar por recurso um tanto fácil mas não é por isso que deixa de ser menos verdade: a crítica a «Split» de M. Night Shyamalan faz-se com a ajuda do seu próprio tema, o transtorno dissociativo de identidade. Trata-se de um filme que, ao longo das suas quase duas horas, passa por várias peles ou identidades sem que se decida por nenhuma.
Inicialmente, «Split» anuncia-se como um filme de clausura, de espaço confinado. Neste, os seus códigos indicam ao espectador que é a tensão crescente entre as personagens dessa clausura que devem ditar um escape ou fuga. Ora, essa identidade do filme apenas é retomada alternadamente com as suas possibilidades, esmorecendo o nosso investimento emocional nesse choque, ou nessa fuga. Como se Shyamalan dissesse: «fujamos!» e na cena seguinte mostrasse o quão bem se está naquele espaço.
A «segunda identidade» de «Split» é a de filme sobre a explicação detalhada e quase obsessiva acerca dessa desordem da múltipla personalidade. Tem-se referido e com razão «Psycho» de Alfred Hitchcock a propósito da relação entre Norman Bates e a(s) personagem(ns) interpretada(s) por James McAvoy. Contudo, no filme de 1960 o transtorno surge como uma desvelação chocante e aqui ocupa a narrativa desde os primeiros minutos. Além de possíveis diferenças legítimas de ponto de vista, diga-se que Hitchcock percebeu que a premissa científica da mudança de identidade pouco era em si se não acompanhada de uma escalada na tensão. Ora, «Split» é um «Psycho» que quer menos saber do que acontece a Vera Miles e se preocupa mais em conhecer os detalhes do porquê e do como é que Bates se transmuta na sua falecida mãe. E por isso torna-se cansativo e sobretudo informativo. Derivando desta necessidade de explicação, um filme algo imóvel, demasiado preso à explicação da sua premissa.
Finalmente, o melhor de «Split», ou a sua terceira personalidade, é aquilo que o realizador de «Unbreakable» melhor sabe fazer: a junção de um universo fantástico com uma sensibilidade poética, algures fora deste tempo, mas que ainda nos consegue tocar. O twist final de um filme sem drama, como este, é dessa ordem, apelando a uma violência com respeito pelas agruras da vida. Seja como for já chega tarde para um certo anonimato na realização, e sobretudo, para um filme que se perde na explicação do que é ser-se muita coisa ao mesmo tempo.
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