Eutanásia vem do grego εὐθανασία que significa «boa morte». Em que circunstâncias pode uma morte ser boa? A boa morte é a morte digna, aquela que permite a um «ser vivo» passar a ser um «ser morto». A que termina a sua existência, o seu ser como um todo. É que, por vezes, acontece acabarmos aos pedaços, a mente aqui, um órgão acolá, uma lembrança no caixote do lixo, uma actividade — como passear no lago ou comer bolachas às mãos cheias — que sempre definia o nosso viver, agora parado para sempre, extinto como animal caçado irremediavelmente pelo destino. A boa morte é a que começa na expressão «eu quero morrer», a que se ri do mundo como bugiganga barata e que vê o fim tal qual jardim suspenso entre o cristal e a imundície. Quando o cavalo parte sem o cavaleiro, não faz sentido avançar com as patas sobre o solo. Já quando é o cavaleiro que fica apeado, cavalo morto, inchado na berma da estrada, o mínimo a fazer é despir a couraça, tornar-se leve para assim enfrentar e comer o pó. A «boa morte» talvez seja a que evite o desencontro, a falsa partida, que seja digna de um fechar das pálpebras como uma pedra sobre o assunto. Sem adiamentos, twists ou ecos improváveis. A liberdade serve sobretudo para isto: evitar as dessinscronias da natureza.
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