Sentei-me ontem para rever "3 Godfathers" de John Ford (dele pouco me lembrava), e trazia comigo uma garrafa de água de litro e meio. Durante quase todo o filme tinha apontado à cara também uma coluna de ar condicionado. Aos poucos o conteúdo da garrafa esvaziou-se mas estranhamente a sede manteve-se. E o vento no rosto só adensava o calor. Terminei a suar e com a boca seca mesmo já depois de Wayne passar o promontório e entrar no bar e pedir: Mister, milk for the infant and a cold beer for me. Passaram-se já várias horas entretanto, um sono meio agitado pelo meio e a simbologia religiosa do filme assentou lentamente sobre mim. Talvez "3 Godfathers" contenha um excesso próprio dos crentes, um conjunto de homens em que se acredita mais como visões do que heróis. Contudo, isso posso-vos assegurar, a minha sede e o meu calor de ontem não passaram. A água e o vento não foram o antídoto para a brasa dos céus do Arizona e esse milagre da sede e do calor interminável habitaram-me (talvez para sempre). Talvez os elementos em causa que escolhi fossem uma traição? Depois da morte de William Kearney no meio do sal e da sede - a despedir-se de todos e a bendizer o mundo que agora deixava - Hightower baixou o seu chapéu que esculpia para o amigo a sombra como leito possível de uma morte serena. O sol voltou a inundar tudo num silêncio abrasador e a luz tomou Kearney. Esse gesto de abrigo, um dos famosos de Wayne, é aquilo que o espectador espera, em vão, após terminar "3 Godfathers". No meu caso, inconsciente, procurei-o na água e no ar domesticado. Quão enganado podia estar? Os espaços de abrigo que Ford nos mostra só nos servem ao desabrigo, ao calor interminável. E não sei até quando durará esta sede...
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