Nós não procuramos a verdade, procuramos a nossa Ariane. E em que condições Deus dos Céus!, disse João de Deus a Rosarinho poucas cenas antes de lhe esgarçar o cu. Num filme de provações e pintelhos organizados como pensamentos, talvez seja um eufemismo para as intenções de Monteiro retirar da sua A Comédia de Deus (1995) os caracolinhos da menina para se vos apresentar aqui. Ou nem tanto. Parte da cruz de Monteiro, sobretudo na sua trilogia, foi o de procurar a sua Ariane. Mas esta nunca podia constituir-se apenas pelo singelo fio da lógica e da orientação, que é como quem diz, nunca poderia decidir se os seus filmes são apenas e só filmes-pintelho ou filmes-cabelo. A ternura da canção a Rosarinho, a fita amarela que coloca no cabelo de Virgínia para que se não solte ou, mais tarde, a forma como limpa os ovos do corpo de Joaninha pertencem a esse espaço de transição entre a homenagem à sagrada deusa e a manipulação da sórdida puta. Porque a alta cultura nada é sem a baixa nos filmes de César Monteiro, também a musa nada é sem a ninfa, o infantil gelado sem a sua sombra fálica ou, claro, o cabelo sem o complemento do pintelho. Essa junção de louco e de visionário, Monteiro organiza-a mais claramente no seu filme do meio da trilogia de Deus o qual, tendo comédia no nome, é o que menos vontade de rir dá. O cabelo das suas pequenas Arianes joga sempre esse papel intermédio da suprema e séria comédia. Acariciado e admirado como sempre aconteceu com esse símbolo da feminilidade, mas também cuidado e higienizado (Não vamos usar o shampoo anti-caspa, tens o cabelo sedoso e vê-se que lavadinho) para evitar desgraças de saúde pública. E nessa corda bamboleante entre o puro e o impuro, o realizador, como hábil equilibrista, desfruta e espanta.
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