Ainda que eu ache que a expressão
"cinéfilo
priapismo post-mortem ad aeternum" resuma exemplarmente, em jeito de
insulto elogioso ou elogio insultuoso, aquilo que Manuel Mozos conseguiu pela
memória de João Bénard da Costa, há duas ou três coisas que eu sei dela (da
memória) que não me deixam que JOÃO BÉNARD DA COSTA - OS OUTROS AMARÃO AS
COISAS QUE EU AMEI vá pelo ralo do meu subconsciente sem antes vir, pelo
menos uma vez, à tona.
O último texto que Roland Barthes
escreveu tinha esse título incrível "Falhamos Sempre Quando Falamos do que
Amamos". Essa proximidade excessiva ao ponto da (con)fusão com o objecto
amado, tolda a visão, empena a caneta, emperra a câmara ou o pincel, em detrimento
de um elogio sem freio. Contudo, na arte como na vida nada almeja à pura
objectividade, nada obriga a separar a ideia do sentimento, a convicção de uma
pretensa originalidade. Também com a escrita de João Bénard da Costa as coisas assim se passavam nesses reinos da paixão
analítica, da visão que nunca separava o facto do fado.
Essa escrita, em torno da qual
gravitam os filmes da vida dele, claro, já chamava a gritar as imagens para com elas fazer
uma ilha com um filme à volta, feita de águas perigosas infestadas de frases mortíferas e adjectivos impossíveis. Mas o filme de Manuel
Mozos não faz dessa gravitação o seu amor. Pelo contrário. O seu amor, a sua voz,
está, parece-me, na acto predatório da selecção, da montagem, que nela procura
sacrificar a completa religiosidade do acto de amar loucamente (e de fazer um
elogio agónico) em prol de um pessoa que importa reconstituir pelos seus olhos.
Que disse ele, que escreveu ele, que viu ele quando me estava era a ver a mim?
Essa escolha, mais do que escolher a pose com que Bénard vai aparecer na
fotografia da eternidade, vem dar uma visão de fantasma àquele a quem o cinema
por estas bandas pertenceu, pertence e pertencerá. Todos as pequeninas senhoras
Muir aí escondidas por vir, que se sentarem nas salas escuras a ver o que ele
dava a ver, darão de caras, mais tarde ou mais cedo, com esse fantasma.
Não me pergunto quem amará o que
ele amou pois, por mais religiosa que seja a experiência do cinéfilo, a
metáfora crística impede-me de comparar amores ou traçar cartilhas para eles. O
que me deixa inquieto, e é esse o meu priapismo privado, é: o que fazer deste
fantasma, desta ausência que não está apenas neste filme, está em todos os
filmes. Essa presença-trauma para o espectador, para o cinéfilo, quem no-la
trouxe para o reino dos imagens-espelho foi Manuel Mozos. E é essa vinda a narrativa
escondida do seu filme.
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