Para lá dos profissionais do obituário elogioso,
dos abutres adoradores de velhinhos famosos e dos poseurs sorridentes de selfies
com gente de estatuto, é sempre possível homenagear aquele que se ama ou se
amou. JACQUOT DE NANTES é um filme
assim, de alguém que amou, que amou muito e que quer mostrar esse amor. Quando
desse sentimento não reverbera um brilho de pechisbeque social ou artístico,
!espanto dos espantos!, o mais nunca é demais: o lírico dos mil beijos e das
musiquetas enternecedoras enquanto se olha o mar e se sofre fazem raccord. Homenagear alguém que vai sair
dali para fora, do mundo, a correr, por motivo de doença ou pela velhice, é um
acto do domínio da afecção. Dessa afecção não se espera equilíbrio, coerência.
É um acto de amor. O amor não tem limites e dos filmes que são imagens e sons
como transmissão e transgressão desse sentimento também não. Por isso não espero
nada da criança que é o menino Jacquot. Não espero originalidade, efeitos de
sombra, ternura na expressão. Tiro dali apenas e tão só o amor de Demy pelo
cinema.
Esse amor mostra - um amor com que Varda tem de competir - que quando
vemos as setinhas com o dedo que aponta ora a esquerda ora a direita (fazendo a
relação, o raccord, entre as cenas de
encenação do menino Jacquot a tornar-se Jacques e as dos filmes de Demy), mostra
dizia, que as direcções não se opõem. O sentido é o mesmo, tudo em Varda,
reunido no mesmo cinema. Tudo, percebe o espectador, faz parte da mesma carta
de despedida que aproxima infinitamente a câmara do corpo do amante, como se o
beijasse pela última vez. Instrumento de amor câmara fetiche que desde sempre
recortou o real nas primeiras encenações caseiras de Demy e que agora o recorta a ele, como se
o cinema lhe tivesse retribuído o amor, dando-lhe Varda e, com ela, a visão com
que a despedida se torna uma criação. Uma rosa, que como no poema de Victor
Hugo, “Le Tombe dit à la Rose” pergunta ao túmulo: -
Que fais-tu de ce qui tombe/ e responde ele, o túmulo: Fleur plaintive /De chaque âme qui m'arrive /Je fais un ange du ciel.
Despedir-se é criar um renascimento. Já quando homenageamos como
profissão, seja um pitaleco a Saramago, seja uma palmadinha na nádega de Pina
Bausch, só se vislumbra o branco dos dentes do fotógrafo após o desmaiar do flash do seu próprio disparo.
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