Em 17 Filles, estreia em longa-metragem da dupla Delphine e Muriel
Cullin, há muita gente que engravida. Para ser preciso são 17 as raparigas de
um liceu de Lorient que, num gesto que roça em partes iguais o ativismo
político e a inconsequência adolescente, decidem engravidar em conjunto.
Baseado numa história verídica, o filme, embora seguindo o tale insólito não deixa de, sempre que pode, lançar-se numa espécie
de desejo de limpidez formal e negra. Como uma espécie de contratipo das
meninas de Sofia Coppola em The Virgin
Suicides. O ter um filho antes do tempo, como acontece à sua protagonista,
a jovem Camille, é tratado como algo que faz explodir a experiência individual
do crescimento. Para que não se sinta só nesse “belo calvário”, as suas colegas
decidem acompanhá-la engravidando todas. A decisão de engravidar em grupo
permite desta feita a transferência das responsabilidades para o conjunto,
suportar en ensemble um movimento em
direção ao desconhecido. Nesta transferência é muito curioso então que os
principais movimentos de 17 Filles
sejam circulares: o grupo na roda mecânica no parque, a roda que fazem na praia
a fumar, ou mais tarde na dança ou na piscina. Esse movimento tipificado da
psicologia de grupo, que tenta ser destruída por uma outra experiência de
grupo, a visualização dissuasora na escola de vídeos de partos dolorosos,
estabelece essa ponte com a mudança de movimento do filme. No seu pós-clímax, o
movimento de Delphine e Muriel abandona essa circularidade e parte para um
travelling lateral, sem profundidade sobre a praia, com que o filme termina.
Nesse movimento a noção de “ato político inconsequente” que gerou a
circularidade do grupo, surge superada, na sua contradição de ser político e
inconsequente. Estamos já em virtude do crescimento das jovens, num movimento contínuo
que exige da vida que permaneça nesse estado de nascimento perpétuo de
experiências.
A
abertura da secção “Parabéns Viennale”, de homenagem ao festival que se tornou
uma das bússolas de referência do circuito de cinema independente, coube ontem
a uma obra que, pelo menos aos mais conhecedores, deveria dispensar
apresentações. Trata-se de Sedmikrásky (Daisies) de Vera Chytilová
(1966), um, senão o, filme emblemático da nova vaga checa. As suas Marias do
filme, uma loura, outra morena são emblemáticas de um mecanismo de descentramento
da identidade e de “terrorismo das convenções” que quer o cinema surrealista
moderno, quer, em parte, o feminismo no cinema abarcaram. Desta feita, o
curioso é que a subversão pelos jogos de conquista, as experimentação do jogo e
do limite do corpo e do sexo pela comida (que comandam a manipulação da
montagem, da cor, da repetição, do estilo tout court) surgem-nos hoje, a mais
de quarenta anos de distância, menos como algo que se auto-encerrou na história
do cinema como uma aventura ética e formal. Ao invés, pensamos, ainda para mais
integrado num festival de cinema independente, como o surrealismo em doses q.b.
poderia ter fomentando uma alternativa bastante mais ambiciosa do ponto de
vista criativo para aquilo que é atualmente o panorama do cinema contemporâneo,
independente, ou arrojado, ou mais livre, se quiserem. É desse passado, que
Daisies mostra em toda a sua pompa, desse “ser mauzinho por uma hora e picos”,
que ecoam ventos que nos permitiriam pensar num futuro alternativo. Como seria se estivéssemos agora todos a colar os pratos dessa grande destruição?
O
ciclo seguirá ainda com a exibição de mais quatro filmes, um por década da
existência Viennale. Pelos anos 70 será exibido Cuidado com Essa Puta Sagrada (Warnung vor einer heiligen Nutte), de
Fassbinder, enquanto que The Last of England de Derek Jarman representará os anos
80. La terre des âmes errantes, de Rithy Panh será o filme dos 90 e para a década 00
Los Angeles Plays Itself, de Thom Andersen.
A
segunda obra a entrar em competição nesta 9ª edição do IndieLisboa foi The
Color Wheel do norte-americano Alex Ross Perry. A sua segunda
longa-metragem, em paragens mumblecore, traz
as cores do título sobretudo para os seus diálogos constantes de embirração que
opõem irmão e irmã nesta viagem de reconciliação filmada a preto e branco
granulado. Alex, realizador e protagonista, vestindo a pele de uma personagem
da galeria de Paul Giamatti, com menos vinte anos em cima, é alguém de quem se
pode ter pena e ao mesmo tempo irritar profundamente. Se o lado cómico só
triunfa ocasionalmente, a ambição dramática exposta na cena final de Color
Wheel mostra uma atitude muita positiva de um filme ainda com limitações
formais e dramáticas mas bem intencionado. E isso hoje conta muito.
17 Filles será novamente exibido dia 30 de Abril, 21:45 no Cinema
São Jorge na Sala Manoel de Oliveira. Quanto a The Colour Wheel, ainda existem mais duas oportunidades de o ver.
São elas no mesmo dia 30 de Abril às 21:45 na sala 2 do Londres e dia 1 de
Maio, 21:30, na sala 1 do mesmo Londres.
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