terça-feira, 3 de abril de 2012

Como cortar um porco ao meio?



“Si nous voulons savoir de quelle valeur sont les biens de la Terre, considérons-les du lit de la mort : ces honneurs, ces divertissements, ces richesses nous serons enlevés un jour. Il faut conséquemment travailler à nous sanctifier et à nous enrichir des seuls liens qui nous suivent dans l'éternité. (Saint Alphonse de Liguori).”

As pequenas coisas que levamos para a eternidade, aquelas que constroem a nossa imortalidade, são as que Otar Iosseliani decidiu agarrar com o belíssimo fresco rural que é Petit monastère en Toscane (1988). Há por certo um sentido de apaziguamento com o mundo, quando se trata de filmar, em observando e em participando, dos rituais quotidianos dos abades de Castelnuovo Dell’abate, perto de Sienna em Itália e dos habitantes de uma vila vizinha na Toscânia. Para isto não há truques de montagem ou outros. De quê serviriam? A neutralidade e peso da câmara limitam-se a estar lá e a refazer actividades: a apanha da azeitona, o abate de porcos, a limpeza da terra, as refeições, o tempo sem alegria ou tristeza. Os pés das senhoras, de Cristo, as canções litúrgicas ou boémias, as festas populares, tudo se sucede, sem dar azo a esse “monstro” chamado ritmo. É esse estranho peso da neutralidade, da passagem, que contém em si o mistério das coisas íntegras. Esse pecado de dar a ver a uma distância milenar e carinhosa parece contrastar com a imaginação sem freio da ficção do georgiano. Este aparente contraste de registos causa perplexidade, não fosse essa responsabilidade bela, benigna, que é o traço condutor da visão de Iosselini. O autor confessa que não sabe porque faz um filme destes, hoje, para quem, porquê? Nós não sabemos tão pouco e isso é uma virtude.    

Contudo, Petit monastère en Toscane choca connosco, enquanto proprietários de um discurso sobre a “perda,” embate nesse  sentimento ilusório ou real (?), de que algo está para acabar. E que esse fim será irreparável.

No final do filme há a promessa de regressar aqui, vinte anos depois, para retomar esta gente num segundo filme. Os vinte anos passaram. A medo, dizemos, que Iosseliani ainda nos deve esse retorno. 

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