terça-feira, 30 de agosto de 2016

The Conjuring 2: fantasmas do passado



Finalmente vi The Conjuring 2 e, desculpem, mas não consigo partilhar de algum entusiasmo desmedido que vou lendo ora aqui ora ali. O último Wan não revela, antes confirma, um autor muito imaginativo, que sobretudo se diverte tecnicamente na construção de set pieces. Revelador é antes que a inspiração narrativa se vá buscar a Amityville ou a um caso verídico do final dos anos 70, tentando transmitir uma certa aura de veridicidade ao todo. Então mas não era suposto também o espectador dar o seu leap of faith? Porquê então a oposição entre o espírito da dentadura (comédia) e a demónio assassino (terror), com o twist revelado entre a imagem vídeo que mente e o som que revela?

O mais interessante dos bons filmes sobre fantasmas é que eles mimam a mecânica no próprio cinema: mostrar o imaterial, o fantasmático, através do visível. E The Conjuring 2 cumpre isso, sendo sobretudo um bom filme de objectos. Os utensílios de cozinha que se dobram, o comando da televisão que muda de lugar, o balouço que balouça, os cruxifixos que rodam ou, finalmente, o carrinho de bombeiros brinquedo que apita no meio da noite. Essa cena em que a criança envia o carrinho, depois de o desligar e mandar para o interior da sua tenda de brincar (e o recebe depois ligado, empurrado por uma mão espectral) mostra bem o melhor e o pior de The Conjuring 2

O melhor é que nessa cena a câmara de Wan constrói sempre aquilo que chamo um “suspense no enquadramento” (literalizado, momentos depois, com a “suspense no quadro”, na cena com a pintura do demónio), recusando dar-nos até ao último momento a parte do enquadramento pelo qual desesperamos. O olho sádico de Wan ora olha demasiado para baixo (será que vem do tecto?) ou demasiado para o lado, recusando-nos a panorâmica ou o travelling.

Já o pior de The Conjuring 2 é achar que o terror só deve ser um conjunto de brincadeiras: toma lá o carrinho, dá cá o carrinho; dá cá o comando, toma lá o comando. E que nessas brincadeiras, as soluções visuais de suspense encontradas, por serem imaginativas, são o suficiente para o género. A técnica revelada num parque de diversões que faz com que The Conjuring 2 pareça, a espaços, um laboratório, entre o académico e o onanista, de como produzir o medo. O medo em formato abstracto, como será isso possível?

Creio que este sub-género de terror, tão importante, como disse, por trabalhar nessa fronteira entre o sensível e o inteligível, necessita de verdadeiras inovações. Se vivemos hoje entre a religiosidade espectral do capitalismo e a espectralidade religiosa do digital, porque raio todas as histórias de espíritos e fantasmetas nos pareçam tão anacrónicas e pesadas? Mesma a câmara de Wan, em toda a sua elegância e inteligência, por muitos rodopios que dê está sempre um tanto instalada no peso do demonismo e do susto do passado…

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