Finalmente vi The Conjuring 2 e, desculpem, mas não consigo partilhar de
algum entusiasmo desmedido que vou lendo ora aqui ora ali. O último Wan não
revela, antes confirma, um autor muito imaginativo, que sobretudo se diverte
tecnicamente na construção de set pieces.
Revelador é antes que a inspiração narrativa se vá buscar a Amityville ou a um
caso verídico do final dos anos 70, tentando transmitir uma certa aura de veridicidade
ao todo. Então mas não era suposto também o espectador dar o seu leap of faith?
Porquê então a oposição entre o espírito da dentadura (comédia) e a demónio assassino (terror), com o twist revelado entre a imagem vídeo que mente e o som
que revela?
O mais interessante dos bons filmes sobre fantasmas é que eles
mimam a mecânica no próprio cinema: mostrar o imaterial, o fantasmático,
através do visível. E The Conjuring 2 cumpre isso, sendo sobretudo um bom filme
de objectos. Os utensílios de cozinha que se dobram, o comando da televisão que
muda de lugar, o balouço que balouça, os cruxifixos que rodam ou, finalmente, o
carrinho de bombeiros brinquedo que apita no meio da noite. Essa cena em que a
criança envia o carrinho, depois de o desligar e mandar para o interior da sua
tenda de brincar (e o recebe depois ligado, empurrado por uma mão espectral)
mostra bem o melhor e o pior de The Conjuring 2.
O melhor é que nessa cena a
câmara de Wan constrói sempre aquilo que chamo um “suspense no enquadramento”
(literalizado, momentos depois, com a “suspense no quadro”, na cena com a
pintura do demónio), recusando dar-nos até ao último momento a parte do
enquadramento pelo qual desesperamos. O olho sádico de Wan ora olha demasiado
para baixo (será que vem do tecto?) ou demasiado para o lado, recusando-nos a
panorâmica ou o travelling.
Já o pior de The Conjuring 2 é achar que o terror só deve ser um
conjunto de brincadeiras: toma lá o carrinho, dá cá o carrinho; dá cá o
comando, toma lá o comando. E que nessas brincadeiras, as soluções visuais de
suspense encontradas, por serem imaginativas, são o suficiente para o género. A
técnica revelada num parque de diversões que faz com que The Conjuring 2
pareça, a espaços, um laboratório, entre o académico e o onanista, de como
produzir o medo. O medo em formato abstracto, como será isso possível?
Creio que este sub-género de terror, tão importante, como
disse, por trabalhar nessa fronteira entre o sensível e o inteligível, necessita
de verdadeiras inovações. Se vivemos hoje entre a religiosidade espectral do
capitalismo e a espectralidade religiosa do digital, porque raio todas as
histórias de espíritos e fantasmetas nos pareçam tão anacrónicas e pesadas?
Mesma a câmara de Wan, em toda a sua elegância e inteligência, por muitos
rodopios que dê está sempre um tanto instalada no peso do demonismo e do susto
do passado…