sexta-feira, 27 de novembro de 2015

distância = angústia = lucidez


No último Moretti, a perda da mãe é uma ameaça durante todo o filme. Mas não se quer nunca entrar nos processos das decadência, da doença que sobe de tom e a carne que deteriora. O que interessa é pensar nessa hipotética perda como algo que fará mudar a rota do Gps interior da realizadora protagonista. Neste sentido, a perda maior é apenas uma pedra maior num charco que comporta a toda a hora perdas menores, reequacionamentos de caminho. Parece impossível mas Moretti filma a experiência da morte da sua mãe com distância crítica, sobretudo porque percebe que, para aceitá-la, necessita de a colocar num processo mais vasto de perdas sucessividas chamado continuum da vida. Isto parece-me mais ou menos claro em Mia Madre

Menos certo é essa capacidade de filmar o seu passado (as lutas estudantis, as aguerridas certezas comunistas) com a mesma angústia proporcionada pela capacidade de as olhar hoje com a distância dos anos. E nessa altura, como haveria de ter sido? Fui ver Ecce Bombo e fiquei espantado com aquele travelling atrás (mais ou menos aos 20 min.) que começa por mostrar os estudantes da sua universidade no seu quarto a planear a ocupação da instituição. A câmara recua e vemos a personagem de Michele Apicella (Nanni Moretti) a observá-los inclinado na ombreira da porta do quarto. Mas a câmara continua a recuar e o espectador apercebe-se que no final do movimento de câmara, o pai de Michele, numa postura semelhante, reclinado junto à parede, observa por sua vez o filho. Circuito de olhares o que se desenha mas sobretudo um circuito de distâncias críticas. Moretti tinha apenas 25 anos quando fez Ecce Bombo mas a sua câmara já mostrava aquilo que podemos ver em Mia Madre: uma certa inquietação lúcida motivada pela capacidade de agir ao mesmo tempo que se dá um passo atrás para se ver essa acção, com uma distância de (in) segurança crítica.

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