No último Moretti, a perda da mãe é uma ameaça durante todo o filme.
Mas não se quer nunca entrar nos processos das decadência, da doença que
sobe de tom e a carne que deteriora. O que interessa é pensar nessa
hipotética perda como algo que fará mudar a rota do Gps interior da
realizadora protagonista. Neste sentido, a perda maior é apenas uma
pedra maior num charco que comporta a toda a hora perdas menores,
reequacionamentos de caminho. Parece impossível mas Moretti filma a
experiência da morte da sua mãe com distância crítica, sobretudo porque
percebe que, para aceitá-la, necessita de a colocar num processo mais
vasto de perdas sucessividas chamado continuum da vida. Isto parece-me
mais ou menos claro em Mia Madre.
Menos
certo é essa capacidade de filmar o seu passado (as lutas estudantis,
as aguerridas certezas comunistas) com a mesma angústia proporcionada
pela capacidade de as olhar hoje com a distância dos anos. E nessa
altura, como haveria de ter sido? Fui ver Ecce Bombo e fiquei espantado com aquele travelling
atrás (mais ou menos aos 20 min.) que começa por mostrar os estudantes da sua universidade no seu
quarto a planear a ocupação da instituição. A câmara recua e vemos a
personagem de Michele Apicella (Nanni Moretti) a observá-los inclinado
na ombreira da porta do quarto. Mas a câmara continua a recuar e o
espectador apercebe-se que no final do movimento de câmara, o pai de
Michele, numa postura semelhante, reclinado junto à parede, observa por
sua vez o filho. Circuito de olhares o que se desenha mas sobretudo um
circuito de distâncias críticas. Moretti tinha apenas 25 anos quando fez
Ecce Bombo mas a sua câmara já mostrava aquilo que podemos ver em Mia Madre:
uma certa inquietação lúcida motivada pela capacidade de agir ao mesmo
tempo que se dá um passo atrás para se ver essa acção, com uma distância
de (in) segurança crítica.
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