Lia um ensaio de Jorge Luís Borges sobre que Flaubert existiria por detrás de Bouvard e Pécouchet
e sentia-me estupidamente cómodo e digno. Como se pudesse vislumbrar,
finalmente, uma genealogia qualquer entre os ataques de preguiça deste
vosso fulano e a espera de Godot, a insubmissão de Bartleby e, agora, a
renovadora incompreensão dos referidos copistas. Todas estas invisíveis rebeldias,
niilismos de constrói secretária / "destrói" secretária são por certo, sabemos,
os atributos do homem moderno, pós-cristão, afundado na opressão do
próprio presente imediato. Não me interessa, afinal de contas, colocar a
minha preguiça moderna em bicos dos pés. Seria antes e sobretudo útil perceber
que genealogia é essa que, partindo destes três momentos, desemboca num
determinado funcionalismo individual sem "rather not", num brilho fosco
dos olhares da mais comum fila de desemprego sem ideal de espera por
quem quer que seja (quando mais Godot), num desencanto pelo saber que
não é certamente apontado a uma falência dos sistemas de conhecimento
(como acontecia com a intenção do autor de "Madame Bovary" ao escrever o
seu último e inacabado livro), antes por uma falta de tesão pelas
coisas.
Seja como for, resta-nos a
espera, a já contemporânea espera, sem erecção, sem reacção, junto
destas secretárias a escrever não sobre coisas que acabem, nem comecem,
mas sobre coisas que continuem e se renovem todos dos dias de forma
ligeiramente diferente. Até porque, como escreveu o próprio Flaubert, "O
frenesi de chegar a uma conclusão é a mais funesta e estéril das manias." E, como concluir é morrer, fico-me assim, dolente, a
preguiçar...
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