Em casamentos e festas afins sempre gostei daquele momento, logo após as
barrigas estarem devidamente atulhadas de provisória felicidade, no
qual a música soa e a pista de dança se abre para um mau videoclip
instantâneo. Agora, neste campo de batalha onde rufam os tambores da
sociabilidade e do Anselmo Ralph, surgem todo o tipo de pezinhos,
trejeitos e jingares. Há as crianças, das quais muitas ainda sem essa
glândula chamada pudor, que saltam logo para o soalho arrancando palmas
pela coreografia acertadíssima; há as senhoras de meia idade que, entre a
folga do vestido e a maquilhagem vagamente exagerada, tentam sacudir o
torpor do quotidiano; há os foliões e os bêbados, também ele pintalgados
de vinho nas bochechas e nos beiços, que estraçalham de igual modo o
bacalhau do Quim ou a valsa do Strauss; e há os mais jovens, vintes,
trintas, muitos deles a olhar o palco com um misto de altivez e receio,
como quem diz "eu sou melhor do que isto, mas se eu quisesse...".
Sem pertencer a algum destes grupos o que mais me intriga é aquela pessoa que não estando
necessariamente bêbada (ou estando-o) vai ao palco da sociabilidade e
dança a um ritmo feroz. Pulos no mármore, coreografias impossíveis que
desafiam a gravidade, desfazendo todos os compassos numa energia appassionata,
como se diz. À primeira vista, passando a euforia do álcool, podemos
pensar numa extrema alegria que contém em si uma extrema tristeza. O
mais fascinante nem é isso, é mesmo uma questão de ritmo. Na pista de
dança cada música confere aos seus executantes um intervalo de
tolerância consoante a idade/estatuto/grupo social, o qual lhe permite acompanhar de forma mais ou
menos próxima do timbre, a alegria, a tristeza, em geral, o sentimento,
veiculado pelas notas. Agora, no caso destas senhores (são sobretudo
homens) esse intervalo é estilhaçado e a aceleração extrema da alegria,
num ritmo ele próprio alegre, pode redundar numa denúncia de tristeza.
Quem disfarça demasiado bem, descobre-se, é esse o pobre princípio do
vigoroso bailarino ou do lacrau na areia do deserto africano.
Mas tudo isto só podem ser teorias de trastes de pé de chumbo ou de exegetas apressados que não dançam. Aliás já muito se tem citado o Beckett naquela frasezinha: Dance first. Think later. It's the natural order.
Mas perdoem que continue a intrigar-me: porque dança ele? Ou melhor, o que é que revelam os seus gestos para lá dos 13% de um Alvarinho?
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