Fui ali a Londres e abandonei este pardieiro mais ou menos esconso por troca de umas valentes dezenas de caras antipáticas. De volta, resta-me anunciar que há mais uma rodada de Ingmar Bergmans na bem mais simpática Lisboa e que escrevi sobre o dito evento ali. Divirtam-se pois, que já está tempo para isso e nunca se sabe o dia de amanhã. Eu próprio pensei que nunca mais iria ter de vestir flanelas em Junho e eis que o mês nunca mais me acaba.
segunda-feira, 29 de junho de 2015
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Foi você que disse demente?
Vi há pouco uma reportagem na TVI sobre um homem chamado João Almiro de 89 anos que abdicou de tudo para ajudar ex-presidiários, entre os quais (diz a estação no site que anuncia o programa): assassinos,
pedófilos, prostitutas, alcoólicos, toxicodependentes, crianças, velhos,
deficientes e dementes. O senhor mostra-se já muito debilitado, a TVI quer facturar, claro, com a construção da imagem do "santo" do Campo de Besteiros, dono da "Casa das Andorinhas", e depois, vai o repórter de imagem e filma o pobre do velho, espetando-lhe uma grande angular na fuça, estilo weirdo de serviço com os pés para a cova.
domingo, 21 de junho de 2015
sábado, 20 de junho de 2015
Ainda sobre os amantes e depreciadores do preso nº. 44
"Just as myths
already entail enlightenment, with every step enlightenment entangles itself
more deeply in mythology."
Adorno e
Horkheimer.
sexta-feira, 19 de junho de 2015
Já tenho água quente
Não sei o que é que vocês acham, mas eu por mim considero extremamente
desinteressante empunhar um chuveiro sobre a nuca e de lá apenas sair
água gelada. Se muita gente se indigna pelo povo indiano não usar
sanita, eu posso muito bem achar que um esquentador avariado é um
retrocesso civilizacional dos piores que há. Se é bem verdade que estão
trinta graus e há ovos estrelados a serem confeccionados em muitas
esquinas de Lisboa, não é menos verdade que nem todos os odores
corporais saem à primeira sem água morninha. Génios como sois já deveis
ter chegado à conclusão de que o meu Vulcano faleceu há um par de dias e
que não tenho portanto visto muita utilidade em mudar de cuecas desde aí. Assim sendo, contratei um técnico de esquentadores
que num ápice se prontificou a dignificar-me com a sua visita. Este
senhor de cabelo à escovinha, uns cinquenta anos e t-shirt da Remax
(devia ser emprestada) entrou-me pela porta adentro e perguntou-me logo o
que se passava. Depois de lhe ter relatado a minha aflição,
nomeadamente por não conseguir ouvir o meu esquentador a fazer o "clic
clic" que ele faz quando trabalha bem, o senhor olhou-me nos olhos, com
pesar, e disse-me "isso não é nada bom". Tradução: "vou-te levar pelos
menos 3 notas de cinquenta euros." Esqueci-me de dizer que trazia um
aprendiz, um jovem dos seus 20 anos, com uma t-shirt que não era da Remax
(o que achei logo muito estranho) a quem lhe pediu de pronto uma faca.
Eu, habituado a estes cenários, trouxe-lhe um banco e meti à cautela no
bolso dos calções o telemóvel, caso algo desse para o torto. O senhor munido de uma
lanterninha e da faca desmontou-me a caixa do aparelho e pediu ao aprendiz de técnico de esquentadores para abrir a água quente
enquanto carregava nos botões todos. Nada. Voltou a olhar para mim com
uma expressão funesta e repetiu, desta vez com um tom de 4 notas de
cinquenta euros, "isto não está nada bem". Desceu do banquinho,
pensativo, e pediu ao miúdo fita cola. Cortou um pedaço com os dentes,
encaixou lá num ponto G qualquer do esquentador e subitamente sorriu
muito. Abra lá a água. Eu abri a torneira, e não é que que começámos logo
a ouvir o "clic clic" habitual, ao qual se seguiu um jacto de água
própria para banho e louça? Com lágrimas a quererem começar-me a correr
pela cara abaixo felicitei-o, "ah, muito bem", e perguntei-lhe logo o
que tinha sido afinal. Ele encara-me muito sério, com um olhar que muito
provavelmente nunca mais irei esquecer (para meu mal), e diz-me todo
fanfarrão: "isto, quem sabe..." E mais nada. Silêncio. Nesse momento, podia jurar que
comecei a chorar sem ser da minha habitual febre dos fenos. E fi-lo,
sabem vocês, porque? Não porque poderia banhar-me alegremente dentro de
breves minutos mas sim porque aquele tom, aquela fanfarronice, me fez
recordar Jorge Jesus. Sim, Jorge Jesus foi para o Sporting e nunca mais
poderei ouvir com carinho frases destas. Escusado será dizer que fiquei
de rastos. Entretanto, o senhor e o rapazinho despediram-se e eu varado
sem pensar em mais nada. Já à porta para fora disse-me: "depois vá lá
pagar à loja". Isto foi ontem. Hoje tenho de ir lá à loja que é aqui na
rua. Tenho mesmo de lá ir pagar. Aliás, além de tomar banho, é a única coisa que tenho
programada para fazer hoje.
quinta-feira, 18 de junho de 2015
Neymar
Assisti ontem antes de adormecer aos primeiros 45 minutos do Brasil-Colômbia, 23 dos quais já num ângulo de 15 graus em relação à minha almofada de penas. Foi no entanto suficiente para observar a selecção, que havia perdido com a Alemanha por 1-7 num jogo de treino no ano passado, a trocar a bola de forma a endossá-la sempre que possível a Neymar. Lembrava-me das palavras do grande Fernando Santos que dizia recentemente que qualquer equipa com Ronaldo se tornava de forma natural numa equipa ronaldodependente. Quem sou eu para desmentir o senhor, até porque há formas piores de dependência. Seja como for, a canarinha não encontrou ainda antídoto para a sua neymaródependência baseada num sistema táctico 10-1, em que dez corresponde ao número de Paulos Madeiras em campo e o um corresponde ao avançado do Barcelona. Em função disto ontem o jogo estava a correr mal ao Brasil uma vez que a sua neymaródependência depende de Neymar (jogador que se pudesse faria uma tatuagem capilar de Neymar) e Neymar por sua vez depende da sua coluna vertebral para se manter bípede, pelo que, pelo sim pelo não, o melhor foi manter-se afastado das imediações de Juan Camilo Zúñiga. Quando estava prestes a desligar, a Colômbia marcou um golo por um senhor chamado Jeison Murillo. Fez-me ver o resto da primeira parte, tendo sido mais ou menos óbvio para mim que Neymar iria ser expulso a dado momento no jogo. Eu acho que até sonhei com isso, num sonho que se passava num ferro velho ali para os lados do Prior Velho, eu que ia lá buscar umas luzes para um dos mínimos do meu Citroën que estava a dar o berro. E hoje acordei, meio dorido, sem saber muito bem porquê, e não é que leio que o Neymar foi mesmo para a rua no último minuto de jogo? Então logo tudo se tornou claro para mim: o Brasil vai ganhar a Copa América.
terça-feira, 16 de junho de 2015
domingo, 14 de junho de 2015
Senhor(es) dos Anéis
"Sociedade Anónima: o que resulta do acto de juntar várias pessoas numa ficção à qual se chama Sociedade Anónima, por forma a que deixem de ser responsáveis pelas suas acções. A, B e C formam uma Sociedade Anónima. A rouba, B furta e C (já que é sempre bom ter um cavalheiro envolvido nestes assuntos) engana. É uma Sociedade Anónima que rouba, furta e engana. Mas A, B e C que planearam e executaram conjuntamente todos os crimes cometidos pela Sociedade Anónima, não são culpados. Não devemos referir os nomes deles quando falamos dos crimes cometidos pela Sociedade Anónima, mas devemos fazê-lo quando a queremos louvar. As Sociedade Anónimas são como o anel de Giges: concedem o dom da invisibilidade - tão confortável para os vigaristas. O patife que inventou as Sociedades Anónimas já morreu - desassociou-se."
in O Dicionário do Diabo de Ambrose Bierce (trad. Rui Lopes)
sábado, 13 de junho de 2015
sexta-feira, 12 de junho de 2015
Todos os caminhos vão dar a Whitman
Eu que acreditava que o sobrenatural era quando nos devolviam um guarda-chuva que havíamos emprestado, como escrevia Ambrose Bierce, fiquei em crer que há mais do que se conta nesse fenómeno do bizarro. Então não é que começo a ler o Leaves of Grass do Whitman, e na véspera revejo o Young Mr. Lincoln do John Ford, e entretanto fiquei a saber que além de Whitman ter escrito um dos mais emblemáticos poemas sobre a morte do presidente norte-americano O Captain! My Captain!, também o seu When Lilacs Last in the Dooryard Bloom'd foi inspirado no clima de pesar que rodeou a América logo após a sua morte? Isso não é nada além de ignorância, dirão vós. Muito certo, ok, mas ontem morreu o Christopher Lee, ou como quem diz, o Conde Drácula. E agora, não é suficiente? Não? Então perguntem-me lá: quem é que serviu de modelo a Bram Stoker para a criação da figura do Drácula? Acertaram: Walt Whitman. Este era, segundo Stoker, o "quintessential male" que deveria dar forma ao porte, à alma, do conhecido conde. Eu avisei que isto tinha recortes insólitos semelhantes a vegetais bojudos nascidos e criados no Entroncamento.
(Claro que também podia ir
pelo facto de que quando soube da morte do Christopher Lee pensei
que tinha morrido um senhor aqui da rua que palmeia os cafés num vai e
vem, de manhã à noite, a perguntar muito alto: "tem um cigarro?" É que é
mesmo mesmo igual ao actor britânico a fazer de vampiro. Só que o Drácula das Laranjeiras, além de outros vícios, teve ao que parece um esgotamento cerebral, e senta-se todos os dias nas cadeiras desses mesmos cafés a desenhar oitos horizontais em pedaços de papel...)
quinta-feira, 11 de junho de 2015
Pintura
DE TARDE
Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão de bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, indo o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.
Nós acampámos, indo o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Cesário Verde
Esta manhã ao invés de um bom batido de cianeto decidi arruinar as vinte
e quatro horas seguintes lendo mais uma aspas-crónica-fecha-aspas de
João Miguel Tavares. Nesta missiva intitulada "A Coragem de José
Sócrates", o autor efectua uma nada menos do que iluminada comparação
entre a "virtude" do ex-primeiro ministro, ao recusar o fim da prisão
preventiva e passar à reclusão em casa com pulseira electrónica, e a
"virtude" dos nazis que se suicidaram com cianeto ou os kamizazes dos
oficiais japoneses para evitarem a rendição. Não só pouco ficamos a
saber sobre a sua opinião pela qual Sócrates terá tomado tal decisão, como
ficamos a saber que o que realmente interessa ao aspas-cronista-fecha-aspas é alfinetar outros opinion
makers que, ao contrário de si, não odeiam visceralmente o dito senhor.
Neste jogo da opinião sem opinião não há como não nos sentirmos vazios
por acordar para ler mais um capítulozinho da miserável novela dos
haters de José Sócrates contra os seus lovers. Argumentos passionais,
que, nos antípodas uns dos outros, são igualmente imobilizantes.
Eis os últimos dois textos na pala: The Look of Silence (2014) de Joshua Oppenheimer e Kreuzweg (2014) de Dietrich Brüggemann
terça-feira, 9 de junho de 2015
Preguiça com pedigree
Lia um ensaio de Jorge Luís Borges sobre que Flaubert existiria por detrás de Bouvard e Pécouchet
e sentia-me estupidamente cómodo e digno. Como se pudesse vislumbrar,
finalmente, uma genealogia qualquer entre os ataques de preguiça deste
vosso fulano e a espera de Godot, a insubmissão de Bartleby e, agora, a
renovadora incompreensão dos referidos copistas. Todas estas invisíveis rebeldias,
niilismos de constrói secretária / "destrói" secretária são por certo, sabemos,
os atributos do homem moderno, pós-cristão, afundado na opressão do
próprio presente imediato. Não me interessa, afinal de contas, colocar a
minha preguiça moderna em bicos dos pés. Seria antes e sobretudo útil perceber
que genealogia é essa que, partindo destes três momentos, desemboca num
determinado funcionalismo individual sem "rather not", num brilho fosco
dos olhares da mais comum fila de desemprego sem ideal de espera por
quem quer que seja (quando mais Godot), num desencanto pelo saber que
não é certamente apontado a uma falência dos sistemas de conhecimento
(como acontecia com a intenção do autor de "Madame Bovary" ao escrever o
seu último e inacabado livro), antes por uma falta de tesão pelas
coisas.
Seja como for, resta-nos a
espera, a já contemporânea espera, sem erecção, sem reacção, junto
destas secretárias a escrever não sobre coisas que acabem, nem comecem,
mas sobre coisas que continuem e se renovem todos dos dias de forma
ligeiramente diferente. Até porque, como escreveu o próprio Flaubert, "O
frenesi de chegar a uma conclusão é a mais funesta e estéril das manias." E, como concluir é morrer, fico-me assim, dolente, a
preguiçar...
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Chamada Geral
"Avisam-se todas as polícias
fugiu um homem
tem
olhos muito abertos
duas mãos dois pés
caminha persistentemente
atenção
supõe-se que é perigoso
sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços
atenção
GOSTA DE TREMOÇOS
repete-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem à solta
à solta
atenção
tem-se como certo
que é
realmente perigoso
os aeroportos
já estão sob vigilância permanente
tudo está a postos
não poderá passar
por nenhuma fronteira
que seja conhecida
insiste-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem em liberdade
atenção
em liberdade
delações muito recentes
permitem afirmar
que fala com frequência
todo o cuidado é pouco
consta também
embora sem referências concretas
que está sempre presente
nos locais os mais suspeitos
apela-se com insistência
para o civismo de todos os cidadãos
para a denúncia rápida e eficaz
há recompensa
atenção
anda pelo país um homem
livre
não se sabe o que fará
exige-se
a quem o vir
que atire imediatamente
é urgente
atenção
atenção
chamam-se todas as polícias
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência
repete-se o apelo
ATIREM PARA MATAR
NADA DE PERGUNTAS."
fugiu um homem
tem
olhos muito abertos
duas mãos dois pés
caminha persistentemente
atenção
supõe-se que é perigoso
sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços
atenção
GOSTA DE TREMOÇOS
repete-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem à solta
à solta
atenção
tem-se como certo
que é
realmente perigoso
os aeroportos
já estão sob vigilância permanente
tudo está a postos
não poderá passar
por nenhuma fronteira
que seja conhecida
insiste-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem em liberdade
atenção
em liberdade
delações muito recentes
permitem afirmar
que fala com frequência
todo o cuidado é pouco
consta também
embora sem referências concretas
que está sempre presente
nos locais os mais suspeitos
apela-se com insistência
para o civismo de todos os cidadãos
para a denúncia rápida e eficaz
há recompensa
atenção
anda pelo país um homem
livre
não se sabe o que fará
exige-se
a quem o vir
que atire imediatamente
é urgente
atenção
atenção
chamam-se todas as polícias
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência
repete-se o apelo
ATIREM PARA MATAR
NADA DE PERGUNTAS."
Mário Henrique Leiria
quinta-feira, 4 de junho de 2015
quarta-feira, 3 de junho de 2015
terça-feira, 2 de junho de 2015
When I read the book, the biography famous,
And is this then (said I) what the author calls a man's life?
And so will some one when I am dead and gone write my life?
(As if any man really knew aught of my life,
Why even I myself I often think know little or nothing of my real life,
Only a few hints, a few diffused faint clews and indirections
I seek for my own use to trace out here.)
(Walt Whitman)
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Porque dança ele?
Em casamentos e festas afins sempre gostei daquele momento, logo após as
barrigas estarem devidamente atulhadas de provisória felicidade, no
qual a música soa e a pista de dança se abre para um mau videoclip
instantâneo. Agora, neste campo de batalha onde rufam os tambores da
sociabilidade e do Anselmo Ralph, surgem todo o tipo de pezinhos,
trejeitos e jingares. Há as crianças, das quais muitas ainda sem essa
glândula chamada pudor, que saltam logo para o soalho arrancando palmas
pela coreografia acertadíssima; há as senhoras de meia idade que, entre a
folga do vestido e a maquilhagem vagamente exagerada, tentam sacudir o
torpor do quotidiano; há os foliões e os bêbados, também ele pintalgados
de vinho nas bochechas e nos beiços, que estraçalham de igual modo o
bacalhau do Quim ou a valsa do Strauss; e há os mais jovens, vintes,
trintas, muitos deles a olhar o palco com um misto de altivez e receio,
como quem diz "eu sou melhor do que isto, mas se eu quisesse...".
Sem pertencer a algum destes grupos o que mais me intriga é aquela pessoa que não estando
necessariamente bêbada (ou estando-o) vai ao palco da sociabilidade e
dança a um ritmo feroz. Pulos no mármore, coreografias impossíveis que
desafiam a gravidade, desfazendo todos os compassos numa energia appassionata,
como se diz. À primeira vista, passando a euforia do álcool, podemos
pensar numa extrema alegria que contém em si uma extrema tristeza. O
mais fascinante nem é isso, é mesmo uma questão de ritmo. Na pista de
dança cada música confere aos seus executantes um intervalo de
tolerância consoante a idade/estatuto/grupo social, o qual lhe permite acompanhar de forma mais ou
menos próxima do timbre, a alegria, a tristeza, em geral, o sentimento,
veiculado pelas notas. Agora, no caso destas senhores (são sobretudo
homens) esse intervalo é estilhaçado e a aceleração extrema da alegria,
num ritmo ele próprio alegre, pode redundar numa denúncia de tristeza.
Quem disfarça demasiado bem, descobre-se, é esse o pobre princípio do
vigoroso bailarino ou do lacrau na areia do deserto africano.
Mas tudo isto só podem ser teorias de trastes de pé de chumbo ou de exegetas apressados que não dançam. Aliás já muito se tem citado o Beckett naquela frasezinha: Dance first. Think later. It's the natural order.
Mas perdoem que continue a intrigar-me: porque dança ele? Ou melhor, o que é que revelam os seus gestos para lá dos 13% de um Alvarinho?
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