Não sou a melhor pessoa para escrever isto mas porque não há ninguém
aqui à mão, cá vai. Tendo eu passado os últimos três meses a tratar de
um cão bebé - que irreflectidamente adquiri ao pensar que seria um
estágio para aqueles outros de marca humana -, e tendo eu lentamente
metamorfoseado-me em mãe solteira de 35 anos que chama o seu cão de "o
meu menino" e o leva à rua ao colo mais vezes do que na realidade
necessita, tendo eu feito tudo isto deveria ser legalmente impedido,
durante um tempo indeterminado, de escrever ou opinar criticamente sobre
filmes onde pontuem afáveis canídeos que interfiram com as minhas
hormonas maternais de dono.
O cão é o do laço |
Devia ser impedido sim... mas como não fui, digo-vos que, além de ter achado o Sivas o
melhor filme deste último IndieLisboa, agora a distribuição portuguesa
sabendo do meu ponto fraco me estreia um filme húngaro onde o
protagonista é um cão ruivo. Além de ser ruivo possui muitas outras
qualidades entre as quais suportar o mesmo treino do Rocky, ser
perseguido insistentemente por mafiosos que acontece labutarem num canil
ou ter de levar com um "sogro" com a sensibilidade de uma espingarda,
que o abandona numa espécie de segunda circular lá deles. No final, o
realizador Kornél Mundruczó quer compor o triunfo dos porcos em versão
cão, e o nosso herói liberta centenas de cães do canil apenas
apaziguados ante o talento da dona do ruivo, de súbito tornada trompetista de Hamlin. A coisa
excede-se, a metáfora política evidencia-se e o White God do título, espécie de contraponto do White Dog
do Fuller, é vítima da uma certa visão romântica e antropomórfica desses
seres que adoram cheirar esquinas mal lavadas e lamber orelhas pela
manhã.
Entre esta versão um tanto salvífica e a da indagação filosófica do
olhar animal (com tradições filosóficas conhecidas Singer-Derrida-Agamben, por exemplo) há uma outra via um tanto
indiferente à especificidade e poderes dos animais. Em Timbuktu, de
Abderrahmane Sissako (em estreia esta semana), há também essa metáfora
dos animais a serem perseguidos (há um antílope que foge em desespero de
um grupo de jihadistas logo ao abrir) tal como os humanos nessa cidade que dá nome ao filme. Mas além dessa
ideia há galos como símbolos de poder, os burros interrompem jogos de
futebol e as vacas, com nome de tecnologia de navegação automóvel, podem
condenar um homem à morte. Esta circulação indiferente entre o homem e o
animal, que obviamente não esquece uma determinada hierarquia sobretudo
motivada por questões de trabalho e subsistência, é talvez a melhor
homenagem que o racional pode fazer ao dito irracional. Papel invisível e
omnipresente o dos animais nesta história sobre fundamentalismo religioso, e que, caso tivesse um cão entre estes referidos, seria mesmo uma
obra-prima. Não o tendo é só um bonito filme, mais eficaz do que a "beleza" da odisseia do nosso pobre amigo ruivo-húngaro de 4 patas.
Mas eu não sou a melhor pessoa para escrever isto. Porque neste momento eu defendo que todos os filmes deviam ter (pelo menos) uma personagem cão. Eu não sou a melhor pessoa para escrever isto até porque neste momento eu
já sei em que locais de Lisboa há snacks para cão mais
saborosos e mais em conta.
:)))
ResponderEliminarComo te percebo...Ainda não arrisquei ver o White God, tenho receio que possa ser tempo perdido, como o do Fuller certamente não espero, seria um milagre nos dias que correm um filme com animais e profundo.
ResponderEliminarBom texto. É um filme que guardo boas recordações.
Já agora, se tiveres oportunidade visita o meu espaço que tem uma nova imagem:
http://cinemaschallenge.blogspot.pt/
: )
Tãoãoão lindo texto, e eu até sou toda miauauaus :)
ResponderEliminar___
faltam-me os filmes, mas a culpa do "interior" , da fata de cinema e de horror à Cultura não é minhauão.
Obrigado pelas simpáticas palavras :) Andreia vou espreitar a tua nova casa. beijinhos :)
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