Se
há filme que está irremediavelmente colado àquilo que representa na História do
cinema (e mesmo em outras histoires..),
ele é Wanda de Barbara Loden. Mas
antes de mais há um lado mítico em tudo isto que ajuda a cimentar os alicerces
do fenómeno. A arte “imitou” a vida e Loden, mulher de Elia Kazan, nunca obteve
o reconhecimento que desejava (desejava?). Morreu nova e pelo caminho toda a
gente procurava unir o gérmen da irreverência, central à sua única realização,
ao papel de irmã de Warren Beaty em Splendor
in the Grass ou a outros desaires
como a sua substituição, por imposição da produção, por Faye Dunaway em The Arrangement. Para lá do traçar obsessivo de secantes entre
a biografia e o que dela ficou em filme, importa pensar nessa dimensão
representativa do ataque a um “american way of life” que, por maioria de razão,
ainda enjaulava com maior veemência a condição feminina. Se nos lembrarmos de
outros retratos femininos de “corte”, (pensamos numa improbabilidade, a
personagem de Barbara Satnwick em All I
Desire, de Sirk (1953) ou mesmo noutro exemplo mais canónico, Marlene
Dietrich em Rancho Notorious)
chegamos à conclusão que o não se ser expectável, mãe de família ou outro,
acarretava sempre uma outra escolha igualmente forte, ainda que moralmente
cinzenta.
Será
então esta “peregrinação sem certeza moral” que leva Wanda a percorrer entulho,
quartos de hotel, bares, salas de tribunal com rolinhos no cabelo, um grito de
libertação feminina? Por certo que sim e por isso gente como Margarite Duras ou
Isabelle Huppert quiseram distribuir o filme. Mas além desse “grito”, a questão
que ainda hoje subsiste, atual, impenetrável como uma rocha, é: o que vai na
cabeça de Wanda? Haverá nela um desistir ante o mundo?, quer dizer, uma
desolação perante aquilo que não consegue e portanto uma quebra de
expectativas? Essa parece ser, mais uma vez, uma leitura biográfica do filme. Mas
e então eis que Mr. Dennis, o “Clyde” de Wanda, nesse jeito ainda mais
cassavetiano que o resto do filme, lhe diz: “if you want nothing you’ll have
nothing”. Embora Barbara precise de afecto que encontra em jeito mais ou menos random até chegar Dennis, e parece em
certos momentos transparecer estar em baixo pela sua deriva emocional, essa
falta de ambição nunca merece ser vista como pecado, antes um espaço de
liberdade digna. Talvez por isso Wanda represente
essa condição libertadora, incomunicável que transcende o género feminino e
masculino.
Entre
nós isso é bem visível por exemplo na forma como Jorge Silva Melo explica no
seu texto sobre o filme que este foi para ele, à época, uma libertação do canon David Lean e outros que tais
quando frequentava a London Film School.
E que se traduz igualmente, na forma elegante de escrever sobre o
filme, e cito o texto de Silva Melo: “(...) Já perceberam: não sou capaz de
falar deste filme. Aliás, nunca ninguém foi”. A mesma coisa se sente na
reflexão de Manuel Mozos aquando da sua primeira passagem pela sua mão na
Gulbenkian. Lançando mão das “mais elementares tarefas da descrição” como as
apelidava Foucault, Mozos enumera as principais indústrias da Pensilvânia (a
metalurgia, os têxteis couro, o tabaco e químicas) para se “aproximar” do
espaço de Wanda. Estes exemplos,
mostram como o filme de Loden, mais do que dinamitar o sistema e repensar o
estatuto do looser na sociedade norte-americana
(tudo coisas que o cinema moderno, o da deambulação e da nova ontologia foi
fazendo), criou um espaço para nos fazer pensar a incomunicação, o contorno à
ditadura do destino, como espaços de possibilidade infinitamente ricos. Nunca
saberemos o que foi na cabeça de Barbara, como o que foi na de Wanda. O que nos
apazigua contudo é pensar que ler a sequência final do filme - na qual a
protagonista prossegue no bar, fumando, bebendo, rodeada de estranhos - é algo
que não podia estar mais longe do falhanço ou da redenção. O seu olhar, como as
nossas palavras sobre ela, nunca poderão deixar de ser “baixos”, de estar aquém
de qualquer noção de sucesso quer na cinema quer na vida.
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