Passo
os olhos em algumas coisas escritas na internet sobre Padre Padrone (1977) dos irmãos Taviani e noto uma certa
desconfiança em relação ao seu tom emotivo. Ou outras palavras para o carácter
esparso dos episódios que adoptaram o romance autobiográfico de Gavino Ledda.
Críticas extremamente injustas precisamente porque são os acordes emotivos e os
acordes dissonantes, os dois extremos que permitiram a Vittorio e Paolo filmar
essa distinção entre um pai e um patrão. O pai, Efísio, começa por ir buscar
Gavino à escola primária, arrancá-lo à educação e trazê-lo para os campos
(há-de ser pastor). É verdade que a partir daqui há alguma tristeza pela forma
como percebemos a vida no Sul de Itália (e por toda a Europa) onde a instrução só
muito lentamente foi deixando de ser um luxo improdutivo. Mas esta emotividade
não é tanto por via de “bater no ceguinho” (leia-se, o pai austero e o filho
explorado e espancado), mas mais pelo encaixe de alguns momentos de sugestão.
E são vários: a belíssima sequência (que podia pertencer a um filme de Erice)
em que a família come um gelado à base do leite congelado e licor; a conversa
de Gavino com a cabra que insiste em cagar no leite; a bestial sequência de bestialidade e
masturbação como modus crescendi de
jovens a entrar na puberdade quando só há animais por perto; o pai a
“chicotear” o filho com a cobra morta; o segundo andamento do concerto para
clarinete e orquestra de Mozart, a música que apresenta Gavino aos vinte anos,
e que mais tarde sai do rádio feito por ele no exército; e por fim, o mesmo
Gavino assobia a música que acabara de ouvir na rádio entretanto destruída pelo
seu pai, como que a dizer, a minha grande arma contra ti agora é a minha
inteligência. São tudo “episódios” que “rendem”. Ou seja que mostram essa dimensão
do pai patrão e que emotivamente, pelo seu realismo cru da vida na Sardenha
naquela época, são sobretudo repulsivas. Essa liberdade de experimentação, como
quem recorda uma coisa dolorosa por via da distorção onírica que o cinema dos
Taviani permitiu, é que estende essa emotividade a pontos de nem darmos por
ela. Estalados por dentro, é como ainda saímos deste filme. E já passaram mais de
trinta anos.
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