segunda-feira, 30 de julho de 2012
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Elena
Elena, prémio Un Certain Regard atribuído pelo Júri em Cannes o ano passado, atira-se à falta de perspectivas de futuro dos jovens da Rússia contemporânea. Embora sem o esplendor de O Regresso, a obra prima de Andrei Zviagintesev, há qualquer coisa de tocante na sua solidariedade e no seu horror. A minha crítica aqui.
sexta-feira, 20 de julho de 2012
Coisas que fazem estalar o coração
Passo
os olhos em algumas coisas escritas na internet sobre Padre Padrone (1977) dos irmãos Taviani e noto uma certa
desconfiança em relação ao seu tom emotivo. Ou outras palavras para o carácter
esparso dos episódios que adoptaram o romance autobiográfico de Gavino Ledda.
Críticas extremamente injustas precisamente porque são os acordes emotivos e os
acordes dissonantes, os dois extremos que permitiram a Vittorio e Paolo filmar
essa distinção entre um pai e um patrão. O pai, Efísio, começa por ir buscar
Gavino à escola primária, arrancá-lo à educação e trazê-lo para os campos
(há-de ser pastor). É verdade que a partir daqui há alguma tristeza pela forma
como percebemos a vida no Sul de Itália (e por toda a Europa) onde a instrução só
muito lentamente foi deixando de ser um luxo improdutivo. Mas esta emotividade
não é tanto por via de “bater no ceguinho” (leia-se, o pai austero e o filho
explorado e espancado), mas mais pelo encaixe de alguns momentos de sugestão.
E são vários: a belíssima sequência (que podia pertencer a um filme de Erice)
em que a família come um gelado à base do leite congelado e licor; a conversa
de Gavino com a cabra que insiste em cagar no leite; a bestial sequência de bestialidade e
masturbação como modus crescendi de
jovens a entrar na puberdade quando só há animais por perto; o pai a
“chicotear” o filho com a cobra morta; o segundo andamento do concerto para
clarinete e orquestra de Mozart, a música que apresenta Gavino aos vinte anos,
e que mais tarde sai do rádio feito por ele no exército; e por fim, o mesmo
Gavino assobia a música que acabara de ouvir na rádio entretanto destruída pelo
seu pai, como que a dizer, a minha grande arma contra ti agora é a minha
inteligência. São tudo “episódios” que “rendem”. Ou seja que mostram essa dimensão
do pai patrão e que emotivamente, pelo seu realismo cru da vida na Sardenha
naquela época, são sobretudo repulsivas. Essa liberdade de experimentação, como
quem recorda uma coisa dolorosa por via da distorção onírica que o cinema dos
Taviani permitiu, é que estende essa emotividade a pontos de nem darmos por
ela. Estalados por dentro, é como ainda saímos deste filme. E já passaram mais de
trinta anos.
segunda-feira, 16 de julho de 2012
À pala de Walsh
De
entre todas as artes, o cinema é aquela que, pelo seu carácter popular, mais vê
os seu críticos vulneráveis naquilo que é seu trabalho. Isto porque toda a gente vê muitos
filmes (em sala, em casa, no youtube, inteiros, às postas, etc.) e não há ninguém
que não esteja disposto a comentá-los, a expressar a sua opinião. Por isso,
qualquer espectador/leitor pensa estar munido das mesmas armas para poder “esgrimir
argumentos” (isto é bem eufemístico porque a maioria das pessoas não chega
sequer a esgrimir nada). O resultado é que aqueles que têm (ainda) por
profissão paga exercer crítica de cinema se vêem alvos de inúmeras críticas,
reparos, às vezes insultos (são uma espécie de árbitro do cinema a quem toda a gente assobia). Mas em
relação a isto, há-que dizê-lo (ou repeti-lo ad nauseum): o que separa J.
Hoberman do Zé Maria ou Jorge Mourinha do Emílio de Viseu são dois factores
muito objectivos. Por um lado, a quantidade de filmes que Hoberman e Mourinha
já viram (ou têm de ver semanalmente) e o Zé e o Emílio (que me perdoem...) podem
não ter visto. E por outro lado, separa-os a qualidade da prosa. É só isto. E
portanto faz sentido que a opinião do espectador médio esteja (em teoria),
menos qualificada para falar sobre um filme. Não é por mudar um pneu de vez em
quando que de repente toda a gente é mecânico.
Se
parece que estou neste ponto a defender a velhinha crítica (e estou), também
vos digo que a questão não morre aqui. Parte da revolta contra a critica não é
o que muitos querem fazer parecer, ou seja, uma mera onda de imbecilidade sem
freio. A conjectura profissional em que está inserida a maioria dos críticos
profissionais (de todo o mundo) torna-os permeáveis a elementos extemporâneos à
sua prosa. São constrangimentos económicos (a ditadura da informação, do fast
writing e slow thinking), corporativos, sociais (as amizades e inimizades que
prolongam a defesa de uma pessoa ou obra até à morte), etc, etc.. É sobre estes
pontos que considero justa e saudável alguma crítica da crítica.
E é
a pensar numa (quiçá) utópica possibilidade de uma escrita com menos
constrangimentos, e a esse título mais livre (e polémica, porque não?), que
decidi colaborar com outras pessoas no lançamento de um novo site de cinema. À pala de Walsh será um site de crítica,
crónica, com uns textos mais lúdicos, outros mais programáticos. O que une a
minha intenção à de João Lameira (numa
paragem do 28), Luís Mendonça (Cinedrio) e Ricardo Lisboa (Breath Away), os outros membros da
equipa, é criar uma rede de pensamento mais livre, e com alguma qualidade, que
tente ser alternativa ao que há. E há muita coisa, dispersa e de qualidade muito variável.
Qualquer
projeto abraçado com a melhor das intenções quererá mudar o mundo. O nosso não
foge à regra. Contudo, esse julgamento, o da criação de um espaço de conteúdos
imaginativos e sério que fomentem discussão informada sobre cinema, não nos
cabe a nós. Caberá ao leitor a partir de agora, com base no nosso trabalho, colocar À pala de Walsh, onde ele merecer.
Convido-vos
a ver o site (ainda um bebezinho), e sobretudo a acompanhar nos próximos tempos a sua evolução. Surgirão
muito em breve novos conteúdos, alguns colaboradores e também um ligeiro lifting do seu aspecto. E pronto, é assim
que começamos.
domingo, 15 de julho de 2012
Inventário Moonrise
É
preguiçoso escrever sobre um filme que não apreciamos usando apenas adjetivos
como “mau”, “fraco”, “péssimo”, etc. Se assim é, quando se trata de filmes de
que gostámos muito, essa adjetivação indolente, a manchar a prosa, roça a
ofensa. Parece paradoxal chegar a um estado em que a palavra “fabuloso”, para
falar do último filme de Wes Anderson por exemplo, se torna estranhamente
insultuosa. Não quero explicar-me muito sobre isso que o meu caminho é outro e
é long and winding, mas só umas
breves palavras. O adjetivo costuma abrir um espaço de indeterminação
precisamente porque o seu objectivo é... determinar. E isto porque, ao utilizar-se
um número reduzido de adjetivos, as qualificações das coisas empobrecem e
tendem para a uniformização. Por isso, em cada adjetivação, assim sem mais,
parece que algo fica por dizer. E ainda mais importante do que isso: a pessoa
por detrás do texto (isto no caso da crítica é muito relevante) faz puf e desaparece.
Desta forma parece-me que a coisa mais singela
a fazer com um filme como Moonrise
Kingdom é um inventário de coisas que merecem ser ditas/refletidas/enumeradas.
Correndo o risco do “enjoo” do leitor, trata-se no fundo da homenagem menos
proibitiva que se pode fazer àquilo ou àqueles de quem gostamos.
1- Um, dois, três, ao lado, atrás e à
frente. Há cineastas que trabalham a hesitação, a incerteza, a suavidade,
como marcas disso que chamamos, (chamamos?) o humano. Expresso com clareza nos
movimentos de câmara isto pode ser um compromisso qualquer. De repente
lembro-me da estratégia deontológica (Rouch), ou da imperceptilidade contra a dureza de um
universo (há muitos, mas Ford e Anthony Mann parecem-me bons exemplos) ou ainda
a expressão clara de uma sensibilidade autoral (Ophuls é óbvio mas também são
tantos...). Ao invés, o que os movimentos de câmara de Wes Anderson nos
mostram, assertivos, a segmentar os espaços, nessas linhas implacáveis
horizontais, verticais, atrás ou à frente, é uma espécie de autismo criativo
(se é que isto já não é uma redundância). É a primeira das expulsões de Moonrise Kingdom. Não há espaço de
incerteza, há um olhar que tudo varre, de uma intencionalidade minuciosa. A
casa dos Bishop, os acampamentos de escuteiros, sobretudo estes, são “modelos”
(neste sentido, de modelagem) onde Anderson quer traçar pontos de vista seguros
da sua visão. E nesse aspecto, a escrita de Anderson não podia ser mais
equilibrada entre o facto (aquilo que aparece no plano) e o adjetivo (a forma
como aparece no plano).
2- A casa farol da família Bishop. Não
são propriamente novas estas construções de tom vagamente bizarro, cores
brilhantes, aparentadas de lego adulto. O filme abre precisamente com uma
exposição de 360º de alguns dos seus quartos e membros da família, passado essa
circularidade depois a uma lateralidade que nos faz lembrar a forma como Tati
filmava as janelas abertas dos edifícios citadinos em Play Time. Sendo ou não estratégia, o certo é que apesar de existirem
muitos recantos, de aspecto fabular (as portas de ombreiras redondas, o soalho
de um castanho brilhante; parece que lá vivem duendes) eles são sempre filmados
isoladamente. Não há comunicação entre eles na forma com Anderson trabalha as
cenas, isto apesar de serem muitos os membros da família (especialmente os
rapazes). De grande importância é a fachada da casa, uma torre vermelha no meio
do verde da ilha da Nova Inglaterra. Se de fora para dentro há uma relação
militarizada, com essa torre a simbolizar um quartel (local depois mimado
também no acampamento escuteiro de Harvey Keitel), de dentro para fora, o olhar
binocular de Suzy dá à casa uma dimensão de farol que observa e planeia.
3- What kind of bird are you? A
pergunta que Sam faz a Susy, e que tem o condão de servir quase como um “queres
namorar comigo”, é feita num plano absolutamente central. Dedo apontado a ela
(a nós). De entre os possíveis pássaros (as outras raparigas), Sam tem de repetir
a pergunta, como que a mostrar-nos, “não não és tu, nem tu, é ela que eu
quero”. Essa simetria quer no plano, quer na vontade, acho que é uma boa pista
para entrar nos seus valores de composição e mise-en-scène. Não existe nenhum momento que falte a esse desejo de
simetria, harmonia, centralidade. Tudo é agradável ao olhar, sendo esse
absoluto imperativo da linha, da cor, do movimento, aquilo que serve para
construir uma reflexão sobre a autoridade (dos pais sobre os filhos, dos
adultos sobre as crianças, das organizações sobre o indivíduo). Por outras palavras
e simplificando muito é preciso acentuar o “direito” para ver a falta do
“torto”. Além dessa certeza formal (às vezes parece a minúcia de Kubrick a
funcionar numa lógica de arquitetura limpa), há uma visão do plano ela própria
arquitetural. Excepto quando faz parte do gag
do plano - revelar algo que está fora de campo - dir-se-ia que este não
existe. Quer dizer, tudo é feito para pertencer ao plano, em todas os seus
inúmeros espaços de leitura. Lembramo-nos do plano, perto do final, em que à
direita Sam e Susy conferenciam sobre se devem mesmo casar e à esquerda um
rapaz salta no trampolim. Esta organização que privilegia sempre a inclusão
parece ter um lado “sacrificial”, isto porque o digital permitiria uma
abundância muito menos esforçada.
4- Casinhas, árvores e tendas às cores. As
cores fortes de Wes Anderson sempre carregaram com essa ironia toda. Talvez a
intencionalidade da coisa se tivesse esbatido um pouco com Fantastic
Mr. Fox, naturalmente por se tratar de uma animação. Aqui, a cor surge na
interseção dessa ironia (a cor como entrada numa dimensão de comédia e
estranheza pop) e uma dimensão bastante clássica de composição. Como Minelli ou
tantos outros a cor é sobretudo expressiva e adiciona esquemas de leitura nos
seus planos, ajudando a produzir rimas visuais. E como brinca Anderson com os
beges, os amarelos e os verdes na relação dos escuteiros e sua “parafernália”
com a natureza. Nunca se trata contudo da cor como forma de “explodir” a
visualidade das suas imagens. O garrido destas é sobretudo forma de compor uma
espécie de reino, kingdom, uma lógica
própria que o seu olhar impõe à realidade.
5- Com a boca cheia de palavras. Simon
é órfão, fugiu do seu acampamento e está apaixonado. Mas em todos os momentos,
anda, fala como se tivesse toda a certeza do mundo. Calmo, de olhos elevados
por trás dos óculos grandes, boca cheia, parece tornar tudo obviamente fácil e
natural. Já a certeza de Susy é vagamente diferente, mais rebelde e dorida. Nessa
milimétrica direção de atores, da insanidade à depressão, do amor à
ingenuidade, parece não haver espaço algum para o overacting. Este sobra sempre para o lado do excesso também ele
trabalhado. Win-Win situation. Um exemplo, os gestos de um dos
escuteiros na derradeira reunião na casa da árvore antes de tentarem salvar
Simon. É no trabalho com os atores que percebemos que a manufactura implacável
de Wes Anderson, não sendo aí travada (pois cada trejeito é apesar de tudo
manipulável), sofre um certo abrandamento. É que o analógico dos atores é, por
estes dias, uma “ave rara” que merece ser preservada.
6- Crescer ou não crescer? Wes Anderson
pertence a uma jovem geração de cineastas que pela primeira vez pode chegar ao
patamar da idade adulta e olhar para trás com a sensação de que o passado não
tinha acabado. De que muito do que
fizera e vivera na adolescência sofria apenas pequenos desvios ou cedências. O
seu universo compunha-se de uma infantilização adulta (a maturidade como
conceito em risco) sobretudo tendo como objectivo um outro olhar geracional que
minasse as concepções tradicionais dos laços familiares e de amizade. Chegados
a The Darjeeling Limited, o seu quinto filme, nascia uma sensação de amargura, como se se tratasse de um olhar
que já tinha exposto toda a sua razão e já não tivesse para onde ir. No
entanto, em Moonrise Kingdom essa
visão abre-se e confunde-se. Por um lado, prolongam-se os “adultos crianças” -
cuja excentricidade não permite apagar, antes acentuar, a sua dimensão
dramática (percebemos bem a tristeza de Edward Norton ou Bruce Willis e o
desgaste do casal Bishop). Por outro lado, nenhuma criança, seja os jovens
amantes, sejam os restantes escuteiros, é mais criança do que qualquer outra
personagem. Como se essa relação criança/adulto, crescer/não crescer deixasse
de fazer sentido e desse lugar a uma circulação
e miscenização desses olhares como estratégia de enriquecimento.
Obviamente que a inversão, o de ter os escuteiros como soldados adultos, é uma
estratégia cómica e subversiva. Contudo, o filme de Wes Anderson quer posicionar-se
num ponto onde já não há apenas ironia no olhar sobre o primeiro amor adolescente, e onde tudo não pode deixar de ser assim. Essa dupla dimensão é que é nova: trata-se
de uma comédia irónica que afirma o lado vivencial como única forma possível de
levar as coisas.
7- O tempo do amor. Sequência
extraordinária essa que vai desde a dança à beira do rio dos jovens em fuga ao
som de “Le temps de l’amour” de
Hardy, ao primeiro beijo, passando pela perda simbólica da inocência com a
oferta dos brincos. Se há um centro
para o filme ele está aí e não é só porque tenta mostrar de forma sugestiva
esse tempo do primeiro amor, da inocência misturada com a certeza do que
sentimos, onde tudo o que é visto de fora parece ridículo e quando vivido por
dentro não é. Se até agora o cinema de Wes Anderson tinha a táctica de filmar
esse caricato pelo visto de fora (à distância do tempo, ou a outras distâncias)
aqui ele baixa a guarda: “quand
le temps va et vient, on ne pense à rien”. Se não se pensa, este é o
momento em que só há compaixão, e o olhar miudinho da ironia (que ficou para
trás e se seguirá à frente), só servirá para aprofundar este sentimento.
segunda-feira, 9 de julho de 2012
Na mente de Wanda
Se
há filme que está irremediavelmente colado àquilo que representa na História do
cinema (e mesmo em outras histoires..),
ele é Wanda de Barbara Loden. Mas
antes de mais há um lado mítico em tudo isto que ajuda a cimentar os alicerces
do fenómeno. A arte “imitou” a vida e Loden, mulher de Elia Kazan, nunca obteve
o reconhecimento que desejava (desejava?). Morreu nova e pelo caminho toda a
gente procurava unir o gérmen da irreverência, central à sua única realização,
ao papel de irmã de Warren Beaty em Splendor
in the Grass ou a outros desaires
como a sua substituição, por imposição da produção, por Faye Dunaway em The Arrangement. Para lá do traçar obsessivo de secantes entre
a biografia e o que dela ficou em filme, importa pensar nessa dimensão
representativa do ataque a um “american way of life” que, por maioria de razão,
ainda enjaulava com maior veemência a condição feminina. Se nos lembrarmos de
outros retratos femininos de “corte”, (pensamos numa improbabilidade, a
personagem de Barbara Satnwick em All I
Desire, de Sirk (1953) ou mesmo noutro exemplo mais canónico, Marlene
Dietrich em Rancho Notorious)
chegamos à conclusão que o não se ser expectável, mãe de família ou outro,
acarretava sempre uma outra escolha igualmente forte, ainda que moralmente
cinzenta.
Será
então esta “peregrinação sem certeza moral” que leva Wanda a percorrer entulho,
quartos de hotel, bares, salas de tribunal com rolinhos no cabelo, um grito de
libertação feminina? Por certo que sim e por isso gente como Margarite Duras ou
Isabelle Huppert quiseram distribuir o filme. Mas além desse “grito”, a questão
que ainda hoje subsiste, atual, impenetrável como uma rocha, é: o que vai na
cabeça de Wanda? Haverá nela um desistir ante o mundo?, quer dizer, uma
desolação perante aquilo que não consegue e portanto uma quebra de
expectativas? Essa parece ser, mais uma vez, uma leitura biográfica do filme. Mas
e então eis que Mr. Dennis, o “Clyde” de Wanda, nesse jeito ainda mais
cassavetiano que o resto do filme, lhe diz: “if you want nothing you’ll have
nothing”. Embora Barbara precise de afecto que encontra em jeito mais ou menos random até chegar Dennis, e parece em
certos momentos transparecer estar em baixo pela sua deriva emocional, essa
falta de ambição nunca merece ser vista como pecado, antes um espaço de
liberdade digna. Talvez por isso Wanda represente
essa condição libertadora, incomunicável que transcende o género feminino e
masculino.
Entre
nós isso é bem visível por exemplo na forma como Jorge Silva Melo explica no
seu texto sobre o filme que este foi para ele, à época, uma libertação do canon David Lean e outros que tais
quando frequentava a London Film School.
E que se traduz igualmente, na forma elegante de escrever sobre o
filme, e cito o texto de Silva Melo: “(...) Já perceberam: não sou capaz de
falar deste filme. Aliás, nunca ninguém foi”. A mesma coisa se sente na
reflexão de Manuel Mozos aquando da sua primeira passagem pela sua mão na
Gulbenkian. Lançando mão das “mais elementares tarefas da descrição” como as
apelidava Foucault, Mozos enumera as principais indústrias da Pensilvânia (a
metalurgia, os têxteis couro, o tabaco e químicas) para se “aproximar” do
espaço de Wanda. Estes exemplos,
mostram como o filme de Loden, mais do que dinamitar o sistema e repensar o
estatuto do looser na sociedade norte-americana
(tudo coisas que o cinema moderno, o da deambulação e da nova ontologia foi
fazendo), criou um espaço para nos fazer pensar a incomunicação, o contorno à
ditadura do destino, como espaços de possibilidade infinitamente ricos. Nunca
saberemos o que foi na cabeça de Barbara, como o que foi na de Wanda. O que nos
apazigua contudo é pensar que ler a sequência final do filme - na qual a
protagonista prossegue no bar, fumando, bebendo, rodeada de estranhos - é algo
que não podia estar mais longe do falhanço ou da redenção. O seu olhar, como as
nossas palavras sobre ela, nunca poderão deixar de ser “baixos”, de estar aquém
de qualquer noção de sucesso quer na cinema quer na vida.
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Qual a música de um encontro?
Há
uma obsessão extremamente difícil de qualificar em Close Encounters of the Third Kind. O facto da comunicação com os
seres extraterrestres ser por via musical, aquelas notas inocentes e
repetitivas, parece abrir caminho a uma ligação que abstratiza o contacto com o
desconhecido. Espaços há, naturalmente, nos quais todo o universo familiar, do
dilema e emoções do homem médio parece querer tomar conta do filme. Por exemplo,
uma das sequências iniciais na qual o rapaz que depois será raptado desperta e
vê a nave dos aliens. Ou a encenação do mundo infantil espelhado na forma como
dormem os filhos de Richard Dreyfuss. Mas é ainda cedo para que Spielberg
escolha um dos lados, o dele, o humano e comece a fabricar o tecido psíquico-familiar
que pôs em contato o imaginário de milhões de lares em todo o mundo. A relação
homem/alien, a antropomorfização pura que viria a ser parte do sucesso de ET, não é ainda um objectivo em Close Encounters. Mas nem o seu oposto:
apesar de apenas vermos o aspecto dos alienígenas perto do fim, a sua ausência
visual nunca é um veículo para nos por contra, como era o chavão no género até
então. Os encontros com esse inexplicável são antes fonte de um intermédio, de
qualquer coisa que produz quer a sensibilidade de uma comunicação musical
frágil entre seres de universos diferentes, quer a imposição de uma natureza obsessiva
que procura a arché até à loucura. A
origem vista quer como encontro primordial com o desconhecido, quer como
plataforma comum ao que une os seres. É pela sua musicalidade e pela sua
loucura que Close Encounters deve
ser lido na sua ambição épica de querer modificar a relação cinematográfica que
o humano tinha com seres de outros planetas. Por isso, Close Encounters, no trajeto Jaws - Close
Encounters - ET que vai de um “simplismo” hostil a um “simplismo” humanista, é
claramente aquele que já não vilifica mas também ainda não endeusa o desconhecido. Dessa
abstração tão honesta, de muitas luzes e música, parece que não há nada que tenha
restado imponente na história do cinema, história essa que insiste em marcar apenas os objetos
que afirmam ou se colocam nos extremos do espectro.
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