Reli há pouco uma ideia de Rancière que nos diz que a obra política conseguida almejaria sempre a um equilíbrio entre dois elementos. Entre, por um lado, a legibilidade de uma mensagem para a "tomada de consciência" política e, por outro, uma forma sensível que perturbe o visível, o dizível, o pensável. O equilíbrio quebrar-se-ia quando uma devorasse a outra. Creio que esta ideia nos ajuda a perceber o alcance, em certos aspectos limitado, de "The Florida Project" de Sean Baker. O realizador, ao apontar a sua câmara para as "traseiras" do glitter e da fantasia que é a Disney World - refiro-me ao motel que deveio complexo de habitações sociais, "Magic Castle" -, quer dar a ver, politicamente, o reverso social desse mundo iconoclasta da fantasia. Um mundo habitado por Courtney Loves e sósias de Ana Malhoa, rendas semanais pagas a custo, o fantasma social da prostituição, o desemprego, a violência. Visualmente, Baker filma com a câmara à altura das crianças, pois são elas que nos vão dando acesso aos quartos exíguos, aos descampados, às cores garridas. O mundo assemelha-se, pelas cores, pelos planos abertos e linhas direitas, uma perversão do mundo "autista" de Wes Anderson.
Voltando a Rancière, parece que à primeira vista o tal equilíbrio político estaria conseguido. Contudo, quando recordamos "The Florida Project" fica-nos a sensação que a "mensagem política" estava sobretudo no apontar da câmara para o espaço. E que, consequentemente, a força dramática que a história da menina Moonee e de sua mãe Halley tem, não é afinal tão preponderante que passe para lá da ilustração de uma dada "situação social". A corroborá-lo está o tempo que Baker dá às brincadeiras das crianças - entre elas, mas também entre mãe e filha -, transformando a realização numa espécie de ilustração do jogo infantil, um pôr a câmara para a careta. Duas consequências daí se extraem. A primeira é que parece que Baker quis "amenizar" a agrura adulta com a "leveza" intantil e com isso quebrou esse equilíbrio do político pois sacrificou a dimensão plástica da sua história a uma certa leveza trazida pelo encanto infantil, pela corrida bonita, pelos momentos de espontaneidade que são afinal um espaço habitado pelo cliché do delicodoce. A segunda consequência é esta: o esvaziamento das peripécias dramáticas em virtude dos passeios, das loucuras, das travessuras, diluem o protagonismo dos habitantes do motel em detrimento do próprio espaço. Daí a importância - mais sugestiva do que real - da personagem de Willem Defoe, o gerente-pai-polícia. Pois é ele o guardião do espaço (e das pessoas) de "The Florida Project". É ele que nos dá a noção de equilíbrio entre todo aquele microcosmos, que faz perdurar o mais eficaz de tudo o que nos fica do filme, a ideia de comunidade.
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