Há uns anos estava eu a terminar os meus estudos de cinema no conservatório pensei em perceber se seria possível fazer um estágio curricular nessa «casa de vício e de virtude» chamada Cinemateca Portuguesa. Ao longo desses anos tinha passado intermináveis horas naquelas salas de cinema e pensar agora em estagiar naquela «igreja», que tanto me tinha dado, parecia-me uma pequena homenagem. Mas quem contactar? O «deus» João Bénard estava fora de questão (como chegar à fala com ele?, o que lhe havia eu de dizer, afinal?). De resto, não conhecia mais ninguém. Mentira, conhecia e admirava os textos do Luís Miguel Oliveira que sabia que lá trabalhava na programação. Então resolvi fazer essa «loucura» de lhe mandar um email, não só escrevendo-lhe sobre como gostava do que escrevia, mas sobretudo perguntando-lhe quem poderia contactar para saber se seria possível um estágio. O Luís agradeceu o email e encaminhou-me para a pessoa certa, já não me recordo quem. Entretanto, fui a uma pequena entrevista, fiquei no estágio e foi aí que de facto vim a conhecer o Luís um pouco melhor. Ao longo dos anos torná-mo-nos amigos, não muito próximos é certo, mas o suficiente para partilhar algumas refeições e sobretudo, entre uma e outra piada, falarmos um pouco de cinema, essa «holy whore».
Mas não vinha aqui falar-vos do Luís, propriamente. Vinha falar-vos antes do seu trabalho enquanto crítico de cinema. O jornal "Público" recentemente disponibilizou os links para os textos que escreveu de 99 até agora e são 384 páginas de links para textos. Ou seja, são 384 páginas de provas de como o Luís é, de caras, o nosso maior crítico de cinema. E sei bem que, embora a crítica genericamente seja um exercício parcial e apaixonado, muitos dos outros críticos portugueses, alguns dos quais conheço e outros dos quais me orgulho de ser amigo, certamente concordarão comigo. Se digo que o Luís é o nosso melhor crítico não o digo de forma vã e desapaixonada. Ao olhar para a tarefa de crítico, um exercício hoje em perigo de extinção (e na expressão «crítico de cinema» são ambos os termos que estão hoje em perigo), tenho de dizer que parte daquilo que me impele (ainda) hoje a escrever sobre imagens se deve aos textos, às reflexões, às dicas, às provocações, às piadas do Luís, que ao longo dos anos me fui habituando a ler, passado que estava o estado do concordar ou do discordar sobre os filmes. Aliás, hoje quando leio o Luís, já não é (apenas) para saber o que ele achou do novo Gray ou dos enganos dos óscares. Leio-o porque quero saber como é que o Luís vê o mundo, como está, quais as suas alegrias e medos. Essa partilha, que só está nas entrelinhas do que escreve, é o que faz a grande crítica de cinema. Faz emergir o homem do meio das imagens, do meio da literatura.
Dir-me-ão: mas isso não é motivado por essa tal leitura recorrente de alguém que admiramos intelectualmente e que entretanto se torna um amigo? Talvez. Mas digam-me cá: quem em Portugal é capaz de escrever textos complexos com prosa assim tão leve e simples? Quem é capaz de manter um fino sentido de humor sobre o cinema, os filmes, (a vida), sem nunca procurar culpados e procurar vinganças? Quem é capaz de fazer exercícios de divagação de memória prodigiosa e de, através de um ou dois detalhes visuais, nos colocar no centro da acção de um filme ou da obra de um cineasta? Quem em Portugal resiste, como o Luís, a escrever pondo o ego de fora, ou refugiando-se em expressões poéticas quando o argumentário secou? E, finalmente, quem é capaz de tornar, como ele, um filme medíocre numa estimulante démarche pela história do cinema, num trampolim para deliciosas histórias de pura cinefilia? A resposta a estas perguntas é simples. Muitos críticos conseguem-no, embora parcialmente. Mas talvez só o Luís reúna todas estas qualidades, a todo o tempo.
Não creio que valha a pena trazer para aqui exemplos concretos da sua prosa, que urge publicar como um todo, como provas do que acabei de dizer. Basta pegar num texto ao calhas e tudo se torna tão evidente. Isto porque cada texto de Luís Miguel Oliveira é a prova de que Luís Miguel Oliveira é o melhor crítico de cinema português da actualidade.
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