sábado, 4 de abril de 2009
Vredens Dag (Day of Wrath) -Carl Dreyer
“Meu Deus, a vida que os homens levam!”
Após o fracasso comercial de Vampyr, Carl Dreyer teria de esperar onze anos para voltar às longas-metragens. Vredens Dag, adaptação de uma peça de Hans Wiers-Jenssen continua o périplo pela representação de mulheres fortes e obstinadas da galeria do dinamarquês. Ficou famosa na história a trilogia (não assumida, entenda-se) composta por esta obra, La Passion e Gertrud. Como nestas, a heroína é uma jovem que vê o seu amor ameaçado pelas normas de uma sociedade patriarcal obtusa que as julga e em última instância as condena. Amor no caso físico contraposto ao amor espiritual em Jeanne e intelectual em Gertrud.
Anne é uma jovem que está casada com um Reverendo bastante mais velho e pelo qual não nutre o menor afecto. Além da frustração erótica tem de lidar com a concorrência da mãe do marido, símbolo de uma religiosidade castradora. Quando Martin, o filho do Reverendo chega, confirma-se o pré-anunciado escândalo: o envolvimento dos dois. Dreyer desde o início que não se preocupa em filmar a tragédia que daí advém mas sim em ensaiar motivos para a sua confirmação.
Sobre esses motivos não é possível esconder que se estava a fazer cinema num país ocupado pela Alemanha nazi. Desta forma, a força do mal, ou antes do desvio, parece encontrar-se num herdado poder místico da protagonista (a sua mãe tinha sido perdoada por actos de bruxaria pelo Reverendo) ou na maldição que Marthe, uma velha bruxa, lança sobre o casal no momento da morte na fogueira. Mas o que na realidade parece existir é um certo desvio em relação à causa da condenação do próprio desvio. Por outras palavras, Dreyer sabe utilizar o misticismo como um acessório para falar do que realmente interessa- a ignorância do ser humano.
Vredens Dag apenas é sobre corpos que querem amar, que têm medo de morrer, que querem ceder a impulsos e não ameaças. É esse o sentido da confissão final de Anne: um acto de libertação quando o seu amante vergado ante o peso do “pecado” a abandona. Uma mulher triste que não teve espaço para ser feliz.
Desta forma, o olhar “puro inocente e claro” de Anne, mais do que carregar um erotismo fechado, alicerça a menos espiritual das obras de Dreyer. Por isso, quando Anne se convence que ela própria pode ser uma bruxa a sua ruptura representativa é tão teatral. Por isso, a figura de Marthe é a menos complexada, aquela cuja tortura e morte mais nos impressiona e por isso aquela que mais claramente permite ver um dedo apontado ao jugo nazi. Marthe apenas tem medo de morrer não se interessando sobre se vai encontrar Deus ou o Diabo quando partir.
Apesar da intemporalidade da cólera humana retratada são curiosamente os elementos mais exteriores ao enredo que fizeram o sucesso de Vredens Dag. Falamos do cenário em que decorre e sobretudo da luz que percorre todo o filme numa homenagem à pintura flamenca. As sombras muito marcadas permitem enclausurar o espaço de Anne e sobretudo afirmam-se como marcas de expressão das personagens, numa continuação exterior do seu rigor representativo.
Estilisticamente Vredens Dag afasta-se do grande plano de Jeanne D’Arc. Procura antes a montagem alternada e a estrutura episodal como em algumas das suas obras menos vistas – Blad Af Satans Bog ou Die Gezeicheneten. Veja-se o episódio cruel de Marthe que parece ser uma antecâmara da intriga principal ou a sequência dos jovens amantes do campo alternada com a morte do velho Laurentius.
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