sexta-feira, 24 de abril de 2009
D. Quixote e a Crise
Quem pelo menos tiver visto os anúncios que Clive Owen fez para a BMW sabe que este teria sido, a par do escolhido Daniel Craig, uma interessante escolha para a pele do agente secreto mais famoso do mundo. Quem vir este “The International”, uma espécie de prémio de consolação para Owen, ficará a indagar como seria um 007 assim, de um glamour traumatizado, homem verdadeiramente preocupado com o sucesso da sua façanha.
Quase que bastaria o plano inicial da obra de Tom Tykwer, com o dito olhar transtornado de Owen, para perceber que este seu Louis Salinger, agente de Interpol em luta titânica contra uma gigantesca e tentancular rede conspirativa do qual a alta finança é só uma das pontas do icebergue, para perceber que se trata de um homem fora da sua ficção. Ou por outra, o peso interior da sua personagem aporta a “The International” uma seriedade que o convencionalismo do argumento de Eric Singer não suporta. O mundo é povoado dos lugares comuns dos thrillers de espionagem, desde as falsas identidades, a troca de informações secretas em lugares insuspeitos como parques de estacionamento ou museus, assassinatos encobertos, etc., tudo secundado por uma intriga “internacional”, que sob a ligeireza de tudo poder integrar como sistema opaco (desde bancos, juntas militares, líderes políticos, a máfia), nada desenvolve, generalizando mais um macguffin capitalista. Por isso, pouco importa que este “The International” tenha estreado, por coincidência ou não, em plena crise económica mundial, com a falência de inúmeros bancos.
Mas seria injusto dizer que, se Clive Owen dinamita as possibilidades de “The International” se arvorar a thriller pouco preconceituoso, Tom Tykwer, o seu realizador, não tente tirar partido da sua elegância a lançar ritmos de empolgamento (“Lola Rennt”). Por isso, assistimos a um carrossel, com frequentes paragens e arranques, nos quais as sequências de acção em espaços controlados fazem o filme lançar alguma da tensão que revisita Hitchcock especialista nesses dispositivos (“The Men Who Knew Too Much”, “Sabotage”). Assinale-se, como exemplo, o confronto em pleno museu Guggenheim, durante o qual, o som dos disparos, a interacção com as instalações vídeo a estender o “campo visível” ou a progressiva destruição da criação de Frank Lloyd Wright, (para lá da evidente metáfora artística), rompem momentaneamente o desinteresse. Estas acelerações narrativas que pululam no espaço global e cosmopolita de “The Internacional” (Milão, Nova Iorque, Istambul, Berlim), deixam entrever uma analogia que o cineasta alemão explicitou entre a arquitectura moderna de muitos dos locais onde a acção decorre, num misto de transparências e opacidades, e a dupla natureza das grandes instituições capitalistas em causa, simples no exterior, densas no seu interior. Uma espécie de “diz-me onde moras, dir-te-ei quem és” da espionagem.
Se é a verdade que o filme de Tykwer resiste pela desenquadrada obstinação quixotesca do seu protagonista, transformando o seu conflito contra as ilicitudes do gigante banco europeu IBBC, numa luta ideológica, o certo é que a não concretização do pecado capitalista (“quando eu morrer outros 100 banqueiros como eu estarão desejosos de ocupar o meu lugar”, diz Skarssen, o presidente do IBBC, perto do final) é aproveitada como discutível mensagem de resignação. E então tudo volta ao mesmo. A única diferença é que ao menos poder-se-ia ter aproveitado melhor a “viagem”.
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