quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

três curiosidades para alegrar seu dia

1. Ontem vi pela primeira vez nesta santa vida uma senhora a cortar as unhas à janela. Acto poético? Excrescências dos tempos aguçados em que vivemos? A senhora fê-lo com uma rapidez de pássaro, como quem já tem este hábito há muito. A razão penso ser esta: para quê sujar a nossa casinha, para quê poluir as águas de uma sanita, quando se pode jogar à terra o que é da terra. Um sagrado acto de devolução, ashes do ashes, garras to garras. Mas numa altura em que nos pomos a pensar o que "pensam" os objectos e os animais, e como apagar as fronteiras entre o vivo e o não vivo, pergunto-me isto: será que, tal qual uma Antonieta guilhotinada, haverá ainda um momento, logo após a extracção da unha, em que esta ainda se sente parte do corpo? E se sim, saberá ela que, no momento antes de tombar morta nas imediações do prédio suburbano, pôde (por uma vez que seja) voar e, quiçá, separar-se, de forma alegre e "consciente", de um corpo que a subjugava, que a obrigava a coçar superfícies corporais até estar atulhada de merdelim?  

2- Soube finalmente (como aquelas palavras que parecem estar à espera de nós num canto qualquer do universo), que o assassino do mais sanguinário ditador da República Dominicana, Rafael Leónidas Trujillo Molina, proferiu as seguintes palavras durante o momento em que o cravejava de simpáticas 27 balas: "Este guaraguao ya no comera mas pollito". Que é qualquer coisa como: "a partir de agora este falcão não comerá mais franguinho". Fascinante frase que mistura ornitologia, vegetarianismo e assassinato político. E soube-o ao ler este incrível livro de Junot Diaz. Frase aliás que podia bem descrever o seu estilo, entre o falcão e o frango, a seriedade da predação e a inocência da vítima.

3- Hoje ao final do dia haverá um debate no Espaço Nimas acerca desta questão dos assédios sexuais, das "velhas bêbadas", do politicamente correcto, da separação entre a moral e a estética, da opção de não ver obras de pessoas com uma vida pessoal questionável, como forma de "retaliação" social pelos seus actos. Tudo isto tem muita razão de ser e longe de mim simplificar a questão. Mas... e tendo em mente apenas esta ideia mais global do "politicamente correcto", pensei aqui um conceito-canivete que poderá ser útil no futuro. O discriminador². A fórmula matemática é mais ou menos assim: "discriminador X discriminador = discriminador²". No fundo, o politicamente correcto tem esta vontade de purificação da sociedade através de um sistema de castigo pelas suas próprias mãos: a censura social. Esse acto em dobra gera um discriminador de discriminadores, um racista de racistas. Não me oponho à coisa desde que funcione como um "agora vais ali para o canto e pensa bem no que fizeste (s)!". Mas... se a maré sobe e a coisa alastra o discriminador ao quadrado pode ver-se numa situação de polícia sinaleiro da moralidade. E nesse caso... só há uma coisa a fazer. Adivinharam: chamar os serviços do não menos implacável descriminador³

1 comentário:

  1. Carlos, sobre o Trujillo e rep. dominicana, lê o "A festa do chibo" do vargas Llosa. Um abraço. FN

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