domingo, 28 de janeiro de 2018

Construir uma convicção


Quando leio Benjamin a descrever o interior do mar de igrejas ortodoxas de Moscovo penso em como a escrita foi/é um meio, até certo ponto limitado, para dar a ver as imagens que o seu autor queria transmitir. Aqui são as regras da gramática, as palavras, o desvio necessário, inevitável, aos pensamentos que um escritor nos quer deixar. Por outro lado, sabemos, as palavras são a forma mais adequada que conhecemos de expressão de uma interioridade. Já a exterioridade pela palavra, mesmo na mais vívida descrição realista, surge como impotente aproximação à tradução directa do que o olho e o cérebro registam. No cinema, o oposto é o que acontece. A exterioridade sai mais beneficiada do que a interioridade. Mas mesmo naquela o desvio é operado pela máquina que capta mecanicamente, pela incapacidade que temos de usar a mão para manipular a máquina numa exacta tradução directa da nossa vontade, ou mais, do nosso pensamento. Por isso, a sétima arte não deixa de efectuar operações de tradução, mais ou menos metafóricas ou simbólicas, entre a interioridade e a vida, os objectos e a natureza. Mesmo quanto à vontade de equiparação entre o que o sujeito quer e o que consegue arrancar à natureza, entre o que o sujeito vê e o que a câmara vê, nessa dupla asserção, é ainda uma mera aproximação aquilo do que se trata. Em qualquer dos casos – na escrita ou no cinema - a boa probabilidade da comunicação torna estes desvios em monumentos de falibilidade, em espaços de construção de um discurso sobre o “como se”, e o “e se”. É só nesse intervalo da aproximação que nos é permitido brincar e só nesse nos sentimos bem. Uma total segurança do real destruiria a capacidade de construir uma convicção. 

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