Quando leio Benjamin a descrever o interior
do mar de igrejas ortodoxas de Moscovo penso em como a escrita foi/é um meio, até
certo ponto limitado, para dar a ver as imagens que o seu autor queria
transmitir. Aqui são as regras da gramática, as palavras, o desvio necessário,
inevitável, aos pensamentos que um escritor nos quer deixar. Por outro lado,
sabemos, as palavras são a forma mais adequada que conhecemos de expressão de
uma interioridade. Já a exterioridade pela palavra, mesmo na mais vívida
descrição realista, surge como impotente aproximação à tradução directa do que
o olho e o cérebro registam. No cinema, o oposto é o que acontece. A
exterioridade sai mais beneficiada do que a interioridade. Mas mesmo naquela o
desvio é operado pela máquina que capta mecanicamente, pela incapacidade que
temos de usar a mão para manipular a máquina numa exacta tradução directa da
nossa vontade, ou mais, do nosso pensamento. Por isso, a sétima arte não deixa de efectuar operações de tradução, mais ou menos metafóricas ou simbólicas, entre a
interioridade e a vida, os objectos e a natureza. Mesmo quanto à vontade de
equiparação entre o que o sujeito quer e o que consegue arrancar à natureza,
entre o que o sujeito vê e o que a câmara vê, nessa dupla asserção, é ainda uma mera
aproximação aquilo do que se trata. Em qualquer dos casos – na escrita ou no cinema -
a boa probabilidade da comunicação torna estes desvios em monumentos de
falibilidade, em espaços de construção de um discurso sobre o “como se”, e o “e
se”. É só nesse intervalo da aproximação que nos é permitido brincar e só
nesse nos sentimos bem. Uma total segurança do real destruiria a capacidade de
construir uma convicção.
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