quarta-feira, 3 de janeiro de 2018


O primeiro filme que vi este ano foi Detroit da Kathryn Bigelow. Pareceu-me frequentemente melhor do que o anterior, Zero Dark Thirty. Mas o mixed feeling continua: um certo talento cinematográfico mas que se deixa muitas vezes devorar pela sua ambição Sandra Felgueiras. Aqui isso volta a acontecer. Concordo por isso em parte com o Richard Brody quando salienta que, em Detroit, muitas personagens são meros fogachos em busca de um certo sentimento de culpa e pena pós-colonialista. Ele não o diz exactamente assim, mas é esse o subtexto do statement que impulsiona o filme. Já quando Brody se arroga em moralista, falando da "ousadia" de Bigelow ao colocar os seus actores na posição de encenarem de novo todo aquele horror, parece que foi mordido pelo mosquito do PC (leia-se, politicamente correcto). Então mas agora, da abjecção do Rivette é suposto fazermos uma interpretação ab-rogante? Uma que ponha em causa os fundamentos de reenactement do próprio cinema? Valha-me a santa. Parece que nem o canto religioso do final - uma facilidade redentora (q.b.) - de um dos sobreviventes do massacre do motel de Algiers acalma a turba linchadora. Dito isto, Bigelow fez-me sentir revoltado, ultrajado e outros sinónimos. Além disso, ou ao lado disso, Detroit é um filme dramaticamente envolvente, por vezes com um desnorte sensorial que é tudo menos uma dispersão. Will Poulter enquanto monstro de serviço pôs-me a pensar no seu grande talento. Creio que vai escalar rápido.

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