O prazer que retiro de ler “Morte a Crédito” de Céline é o mesmo de vasculhar um cacto de 530 páginas à procura dos lugares estratégicos onde nele foram colocadas as flores. Cacto não por causa da secura (longe disso), mas sim devido aos seus espinhos, entenda-se. É que a escrita do francês – cheia de terrores, humores, vapores – procura dar um retrato da pobreza, do “assim é que isto é”, sem pudores ou almofadinhas para leitor deleitar. E nós vamos com Ferdinand sem problemas. A genialidade de Céline consiste contudo em não brincar às oposições: de um lado a dureza da realidade e do outro a softness do romantismo burguês. É que essas tais “flores de cacto” não surgem apenas no catarse final. Elas crescem semeadas geometricamente ao longo do livro, mostrando que um morto a crédito ou um cadáver adiado que procria cresce invisivelmente, a golpes de balão meio-furado que, sem darmos por isso, se eleva ainda no ar. [Já voltarei à questão do balão no próximo post]
Sem comentários:
Enviar um comentário