terça-feira, 17 de maio de 2016

Pride and Prejudice and Zombies


Não querendo dizer mal de Seth Grahame-Smith - até porque ele é o criador desse enormíssimo estudo chamado The Big Book of Porn: A Penetrating Look at the World of Dirty Movies - há que pensar no caminho mais provável que terá dado origem a Pride and Prejudice and Zombies. Os mash ups estão na moda e, além disso, muito homem há que não senta o rabo no sofá para ler/ver pessoas em fatos de época a conversar incansavelmente  (e a dar aqui e ali um passinho de dança) sobre os efeitos cómico trágicos das relações matrimoniais e afins. O que calhava bem era mais acção, talvez até sangue e ... uns zombies, porque não? Sempre distrai. 

E é um facto que distrai. No pior sentido. A adaptação para cinema, a comédia de Burr Steers, limita-se a juntar os três elementos do mash up: os plot points do livro de Austen para os fãs do seu universo não se sentirem defraudados; o jogo de "micro-cirurgia" de inserção dos elementos zombie no retalhado universo da escritora; e, por fim, a cereja no topo do bolo, os pinotes são feito com estilo, isto é, a comédia social de costumes é um filme de zombies... e um filme de acção de artes marciais. Quer dizer, devia ser, ou melhor, podia ser, mas nem isso. O mash dá uma papa indistinta onde pouco o nada se reconhece.

E digamos que se perdeu até uma boa oportunidade. Se as personagens femininas de Austen corporizam o "role playing game" dos primórdios da época vitoriana, elas também são ilustrações interessantes para a frase em que Marx caracterizava o capital como "dead labour" que, tal qual vampiro, vivia a sugar o "living labour" e que, quanto mais sugava, mais vivia. Ora, o início do capitalismo podia até ter como expressões "vampíricas" essas mulheres de sociedade austiana que procuravam sugar o sustento de um bom partido, bonito, mas sobretudo rico. Assim, Pride and Prejudice and Zombies podia bem ser o conflito entre as figuras vampíricas do início do capitalismo e as figuras desapossadas de escolha e vontade, os nossos queridos zombies massificados do capitalismo tardio. Esse confronto, alegórica e inadvertidamente, está gizado, quer no livro, quer no filme. Mas só está aí em estado embrionário, num filme (quiçá no livro, não o li) que é só mais uma coisinha para distrair. Distrair-nos deste possível confronto entre dois modelos de domínio e subjugação, e ainda pior, desapossando-nos do nosso legítimo direito à boa e velha (e real) distracção.

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