sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Masterpiço

Não sou grande degustador de viagens estelares mas nem é por isso que torço o nariz ao far far beyond INTERSTELLAR. Depois de o ver em 70 mm numa sala IMAX com as rodas dos pneus e as naves a perfurar tímpanos, confirmei uma coisa em que tinha pensado a caminho da sessão. É que o que divide os nolanianos dos não nolanianos está para além (é independente) dos filmes. Explico-me. Ou tento.

Os seus blockbusters de autor - e são estes que abriram a fenda entre os lovers e os haters - marcam uma diferença entre dois ideais. Uma vontade de ver a vida como luz, algo positivo em que é preciso acreditar com força e convicção; e uma vontade de fazer o não elogio, de expor a sombra, do presente embebido em álcool e conversa, de orgulho na crença de uma falta de crença e de um sentir a sangue frio o tempo que passa sem um sorriso poluidor, sem uma expectativa salvífica que engane o "pacóvio" até chegarem as térmitas ao caixão.

Exagerei, deixei-me levar, mas é isso que está em causa quando nos deixamos ir a sorrir por entre esse espaço fora com a imagem e o som a ribombar com uma humanidade que fez merda e há-de encontrar salvação algures ou, pelo contrário, à segunda chapada de Dylan Thomas e ao levar com o plano do Matthew McConaughey a fazer de legenda para Lázaro dizemos, não, chega, não estou para isto, prefiro ir beber uma mini e comer tremoços.

Seja como for, neste último filmaço de Nolan, o melhor de todos os tempos, passado, presente e futuro, o que enerva mesmo mesmo é que a superficialidade da sua mensagem é feita passar como banha da cobra. Não é um filmeco que quer avacalhar, não, é um monolito que pensa que está a atingir níveis de profundidades reservados ao Criador. Senão vejamos. INTERSTELLAR quer fazer a apologia do simples, despojado e pequenino. É o quarto da filha em vez do universo, é a família à qual é preciso regressar em vez de se ser o rei do pedaço e salvar a humanidade toda e ser por todos reconhecido para todo o sempre.

Mas que sentido tem fazer a apologia do simples num filme onde tudo é desmedidamente grande, como se a incontável dimensão do espectáculo, das imagens, das referências metidas a martelo, da ambição desmedida (salvar o mundo, pois claro) depois fossem tão longe para dizer o seu contrário: é o amor, o amor é que vai salvar isto tudo. Esta mensagem "vai onde te leva o coração" enerva pois é a máquina que quer fabricar um conceito de bem e de humanidade que a todos domine e a todos faça abrir os olhos.

"I used to be blind but now i can see". A ambição evangélica do filme de Nolan assente numa espécie de balela pseudo-mística humanista no fundo nada mais é do que a actualização da mensagem da bondade religiosa. Que diferença existe entre: o amor é a chave da humanidade da religião nolaniana e o "amai-vos uns aos outros" daquela religião mais ou menos conhecida daquele senhor que agora me falha o nome?

O amor não precisa de panfletos e ele, como muitas outras coisas serão indispensáveis à sobrevivência que é tudo, como toda a gente sabe, menos uma tarefa asséptica. Se há coisa que não pode caber na limpeza deste filme é a sujidade de estarmos prestes a desaparecer. Não há tempo. Muito menos três horas ou lá que é.

Conversinha à pala sobre o dito cujo aqui.

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