Não
estou seguro que a chegada da cor em Ozu, com Higanbana (A Flôr do Equinócio, 1958) tenha trazido alterações
substanciais. Se há obviamente um abrir dos planos a outra dimensão (como a
chegada a uma casa que parecendo nova, a reconhecemos: está lá o bule do chá e
que espanto é vermelho; a garrafa de sumo laranja ou o rosto colorido de Ineko
Arima), a cor “apenas” acentuou a matiz que o preto e branco já revelava. O
universo de Ozu já era o da contradição, da revelação silenciosa, a “soma total
das inconsistências da vida como a própria vida”. O aproximar do fim para o
cineasta japonês trouxe apenas essa clareza na forma de superar a contradição,
como um processo interior, entre uma chegada e uma partida de comboio. É certo
que há agora uma modernidade que se torna mais visível nas tabuletas dos bares,
nos néons, na fachada dos edifícios
(que puxa uma nova dimensão de verticalidade e urbanidade para um cinema
horizontal e atemporal). Contudo, essa abertura em relação ao conservadorismo,
à defesa dos valores dos jovens em lutar pela própria felicidade, o ataque ao
casamento como contrato de origem feudal nunca é uma cedência. O desenlace
interior de Hirayama, tão límpido na sua expressão quando parte para Hiroshima
para reencontrar a filha, não apagou os sonhos inalcançados como expressão
nostálgica de um passado que parte (tão bela a sequência dos homens de quimono
branco e preto após o casamento). O avanço, mesmo na sua expressão mais
radical, não mata o luto e a nostalgia pelo que foi. A filha casa-se com um
desconhecido, num movimento agridoce da vida, como o tinha sido a guerra para
ele. Nessa sequência daquele que pode ser o último passeio de toda a família,
recordam essoutro passado, desnorteado, que não poderia fugir (dizemos) ao
preto-e-branco: a esposa lembra, com nostalgia, quando fugiam para os abrigos
anti-aéreos e pensavam que poderiam morrer todos juntos. Ele não quer recordar
esse tempo, sem conforto, cheio de pessoas arrogantes. Mas agora Hirayama, como
Ozu, adianta-se no tempo. "Não faz mal, não faz mal", diz-lhe a esposa.
Dizemos-lhe nós.
Nunca vi nenhum filme do Ozu a cores. Depois do texto (muito bom por sinal) fico com alguma curiosidade. Nada que já não estivesse no meu horizonte (tenho bastante ainda para conhecer de Ozu - e ainda bem - o nosso amadurecimento nestas lides do cinema só faz bem antes de conhecer autores como este, só nos fazem apreciar o seu trabalho ainda mais).
ResponderEliminarE também, à partida, não vislumbro nenhuma qualidade extra, digamos, nos filmes de Ozu a cores. O seu cinema está mais na reflexão e no tempo, que propriamente no poder da imagem (embora estejam inevitavelmente algo unidas).
Nunca tinha comentado por aqui, mas já sigo o blogue há muito tempo. O conteúdo é imenso e com muita qualidade, que agora a propósito está noutro sítio/site também :).
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
Obrigado pelas tuas palavras Jorge. Se me parece haver um autor em que conhecer toda a obra de uma penada é contraproducente é o Ozu. Há uma espécie de conforto em saber que ainda temos mais um para descobrir. Como um remédio que tomamos de ver em quando.
ResponderEliminarAbraço