domingo, 19 de agosto de 2012

Distâncias de segurança


Não deixa de me parecer sintomático que à medida que o neoclassismo no cinema converte o close up em algo similar ao bordão de fala - “tipo” - menos ele tem um significado de aproximação emotivo à pessoa. E se os close ups “tapam buracos” e existe um borrifanço geral para os master shots percebemos que se calhar a dedicação que o cinema tem em relação a um dado assunto talvez tenha uma correspondência espacial na distância.

 Ao ver, por exemplo, uma composição típica de Ozu isso torna-se claro. Parece que percebemos nela uma dimensão sacrificial importante:

-como se só uma vida “desinteressante e geométrica”, a sua, permitisse auscultar a arquitectura das relações familiares como alguém terceiro;

-um sacrifício dos exteriores, como um cinema que não pode e não quer sair à rua sob pena de perder a atenção das coisas. Nesses interiores em que o cinema de Ozu reina, os seus famosos planos vazios ou pequenos travellings em direcção ao nada, são mais do que tudo exteriores encapotados. Formas hábeis de ir “para fora cá dentro”. Mas sobretudo índices do incompreensível que actualizam ad aeternum as obras primas;

- mas também um sacrifício da proximidade - uma composição que coloca sempre a câmara a uma “distância de segurança”  (portas, armários, objectos). Não é só pudor que há em Ozu. É sobretudo a percepção que a sua composição típica (em fechadura) tem de que as coisas se revelam inteiramente apenas a uma determinada distância de intimidade. Como um belo paradoxo, daquele que afasta para poder estar muito perto


1 comentário:

  1. Interessante este ponto de vista, e se há coisa que Ozu tem, e os seus filmes têm, é esse sentido de coerência, essa adequabilidade, e portanto verdade, do que nos mostra, do que nos passa.

    Já agora, e falando em close-ups e na sua boa utilização, não resisto em referir Sergio Leone. Um mestre, na minha opinião, na utilização/alternância entre close-ups e master-shots. Sabia quando mostrar os rostos, os olhos, os detalhes (muitas vezes quando a emoção dava de si), e quando mostrar panorâmicas, paisagens, clareza de espírito e enquadramentos clarificadores, esteticamente perfeitos (acompanhados com 'Morricone').

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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