terça-feira, 20 de julho de 2010

Masculin, Féminin - Jean-Luc Godard (1966)

Sento-me para escrever sobre MASCULIN, FÉMININ: 15 FAITS PRÉCIS e j´hesite.., j’hesite… E faço-o porque me dou conta que já estou mais próximo dos 34 de Godard quando realizou o filme, do que dos 21 de Léaud quando nele participou, que é como quem diz, mais próximo da celebração de uma juventude do que da própria juventude. E essa não é sensação vã, mas sim determinante na forma de tomar o pulso à habitualmente rica cartografia histórica e artística que define a obra do realizador francês. Mas também importante ao evitar colocar na sombra o prolongamento emocional, a identificação, como tarefa de coração do espectador.

O ano de 1965, prolífico, aliás como o viriam a ser todos os da década para Godard, viu o produtor Anatole Dauman encomendar um filme de tom “erótico” a Godard para servir de acompanhamento ao relançamento de um filme de Astruc. Influências iniciais a este filme, propostas pelo produtor, foram: A FILOSOFIA NA ALCOVA de Sade e o conto LE SIGNE de Maupassant, conto que Godard já tinha adaptado em 1955, uma curta de 10 minutos rodada em 16mm chamada UNE FEMME COQUETTE. Godard decidiu abandonar o texto de Sade e juntar outro conto de Maupassant, LA FEMME DE PAUL. Estas fontes combinaram-se com a vontade do cineasta fazer um filme sobre jovens de esquerda e jovens de direita. A ideia que tinha tido inicialmente era uma mulher com influências revolucionárias e um jovem permeável às indústrias de consumo. Ainda que sem provas palpáveis, o recente divórcio de Ana Karina e o exercício de dura redenção que foi PIERROT, LE FOU, erá provavelmente estado na origem da ideia de Godard ter trocado os papéis. Assim, em MASCULIN, FÉMININ, Paul (Léaud) é o jovem de esquerda e Madeleine (Chantal Goya) a rapariga capitalista.

E desse fundo erótico, sobrou, ou antes, cresceu, uma reflexão de género que é, ela própria, determinada pelo comentário crítico a uma sociedade política francesa mas também ocidental. A guerra do Vietname, a beat generation, os métodos contraceptivos, as eleições francesas, os filhos perdidos entre “Marx e a Coca-Cola”. Este retrato surge na sociedade francesa como presente envenenado. Se por um lado era uma afirmação de vitalidade e manifesto de identificação com uma geração de jovens intelectuais franceses que era crítica do establishment, que era “à part”; por outro, o veneno vinha da ironia de Godard, das raparigas desmioladas e dos rapazes agitados mas inconsequentes (Philippe Garrel, jovem à data não se terá revisto nesta “acusação” e terá rejeitado o filme). Mas parece-me que ao olhar de hoje, essa ironia bem-disposta, sinal de maior juventude de todo o filme, é a razão de MASCULIN, FÉMININ: 15 FAITS PRÉCIS continuar a ser um dos filmes mais bem-amados de Godard de entre os seus filmes mais bem-amados que reconstruíram os filmes e género de Hollywood à luz da critica vigente ao esprit du temps e liberdade poética e estilística.

Mas comecei por advertir quando aos perigos de nos perdermos na leitura intelectual e história(s) de masculino feminino de Godard. É que essa ironia, esse comentário político, essa visão sociológica do que é ser masculino e do que é ser feminino, convergem num único facto preciso: a conversão do mundo, todo, febrilhante, numa visão ímpar do cinema. A atestá-lo, três exemplos.

Um. Os suicídios/homicídios de MASCULIN, FÉMININ. Os “mortos” de uma revolução ideológica, funcionam como uma espécie de punch line para um espaço performativo que é a França de 66 e a câmara de Godard nessa França de 66.

Dois. A cena em que Paul fala com o seu amigo Robert na lavandaria sobre a sensação de estar a ser perseguido, jump cuts utilizados e... não importa por quem. Apenas a sensação.

Três. A conversão de Paul repórter em realizador de inquéritos. Godard, pondo a câmara de um só lado, num olhar “veja-se a si próprio e como se apequena” criou escola no documentário e popularizou a forma dos inquéritos de rua nos programas de televisão. Já na recusa do campo contra campo no início do filme, Godard mostra menos um diálogo entre um homem e uma mulher e mais uma confissão entre um e outro. Uma confissão que tem de pedir para que se olhem nos olhos. Um do outro, não nos nossos, diz o cinema.

Aqui fica o ilustrativo “Dialogue Avec un Produit de Consommation”, uma das melhores cenas do filme.

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