Já passou algum tempo desde que vi este belo filme de Sergio Oksman mas tenho bem presente este plano: de um lado, um hospital de São Paulo onde o pai do realizador está internado, do outro - palavras para quê? - é o "charme do paraíso", um boteco onde se celebra mais um golo do Brasil, na copa que organizavam em 2014. Esta organização, aparentemente estanque, da dor e do êxtase é parte da premissa de O Futebol. Ela é uma docu-ficção que é filha de um filão conhecido no documentarismo, o de procurar através da feitura de um filme, reavivar, reviver, recuperar uma relação familiar moribunda. No caso, o Sergio não via o pai há muitos anos. Emigrado para Espanha, decidiu regressar ao Brasil e ver com o pai todos os jogos do campeonato. Passar um tempo junto, pois nunca houve tempo, e fazer desse tempo uma partilha em filme. E começa a rolar a bola, o desporto-rei está nos ecrãs que não nos mostram os jogos, e nas conversas de automóvel, de bar, no escritório onde o pai Simão trabalha. Oksman não filma o futebol pois este é um jogo de equipa e um dispositivo cinematográfico e emocional para um outro desafio, "jogado" um para um: a recuperação de uma certa intimidade entre um pai e um filho separados.
Se as ruas estão cheias de energia desportiva, depois há a chuva, os espaços aprisionantes do carro, os longos silêncios ou os desvios dolorosas das coisas que não se querem recordar. Não é só o futebol que é um jogo de estratégia. Aos poucos vamos percebendo do contraste entre a festa de todos, e o tempo dolente entre pai e filho, um filme onde as elipses se sentem dolorosas porque irrecuperáveis. O filho está na disposição de tudo fazer para aproveitar o tempo perdido - a sua presença parece o de Nanni Moretti actor, na sua versão mais circunspecta, ou seja, na dos seus "filmes de família" -, já o pai cede um pouco aos caprichos da idade. Mas este jogo de composição entre o ordinário e o extraordinário, entre o documento e a construção ficcional, sofre um forte abalo. Simão morre subitamente durante a rodagem e Oksman não cede à emoção. Antes ficamos com um filme que se vai progressivamente despindo de palavras, que mantém até à última o suspense do "resultado" das suas personagens. Mas o mais extraordinário, a maior lição que a realidade dá após vermos este Futebol, é que as duas metades deste plano que acima vemos se vão unir: morte e derrota humilhante (os tais 7-1 da Alemanha), tudo num só movimento do acaso (uma mise-en-scène verdadeiramente trágica), tudo num só fechar de pano teatral, ficcional.
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