O motivo pelo qual não sou especialmente crente no dispositivo do found footage resulta
do facto de se presumir que o achado tem a mesma força do procurado.
Quer dizer, pensar-se que a dotação do dispositivo nas mãos do anónimo,
ao produzir uma proximidade entre quem captou as imagens e quem as vai
ver, o espectador, pudesse descurar uma espécie de critério para o
"achamento" dessas imagens. Quando Tyler diz à irmã Becca que esta tem a
camisola do avesso, que não a vestiu bem porque não se olha ao espelho,
sempre com os olhos baixos, com receio da imagem que o reflexo lhe
possa devolver, o espectador percebe que M. Night Shyamalan está a ir ao
cerne da questão do dispositivo que está a utilizar. De que serve a
câmara para captar o real, se o seu utilizador é incapaz de olhar? Para
que nos é útil o POV sem uma view? Numa das cenas finais, a
rapariga é presa no quarto com a avó e esta aparece-lhe na câmara pela direita. Becca faz uma panorâmica para a esquerda em vez de, ou encarar
a luta com a avó, ou fugir dali rapidamente. Ela acaba por filmar o
espelho como solução da charada: para ver o que está à minha volta, para
que a passagem da subjectiva à objectiva não seja em vão ou mera
técnica sem fundo, é preciso que primeiro ela se consiga olhar a si
própria.
Se The Visit
problematiza o olhar para determinar como este se pode mediar através
de uma câmara, já o trauma do irmão Tyler - o ter ficado imóvel num
jogo de futebol americano ante o olhar do pai, quando devia ter corrido
para parar o adversário - continua a bordar o drama interior das
personagens à dimensão metacinematográfica do filme. Agora é o
movimento por oposição à imobilidade que está em causa. Nas cenas finais
de confronto, a câmara (quase) fixa coloca em tensão o movimento das
pessoas no plano. Shyamalan filma Tyler imóvel (estranhamente imóvel, de
costas) enquanto o avô vai e vem no plano (porquê, não vem ao caso
aqui). A explosão final de Tyler marca a dimensão do movimento
e-mocional como catarse de uma agitação interna que se produz na sua
mente e que o fará tornar-se jogador, finalmente, correr para o
objectivo, "trancado" até então. Metáfora para a questão do movimento de
câmara, que, enquanto dispositivo, deve vir antecedido (justificado) por
um movimento interior. É o caso.
Finalmente, a distância aos eventos. Problema bicudo num tempo em que nearer is better.
Na sequência em que Becca faz referência à ética cinematográfica (que
ninguém respeita) está em causa o consentimento na captação das imagens
mas também a medição do espaço certo entre quem filma e o que se filma.
Shyamalan não faz outra coisa senão matraquear-nos com esse problema
quando põe as crianças a colocar a câmara sempre atrás de sofás, mesas,
candeeiros. Essa distância não é só uma questão de respiração (é preciso
estar longe para preparar a acção, a proximidade) mas é também um
indicador técnico (um ensinamento clássico) de que The Visit
é um filme sobre dois pares de personagens que têm muitas coisas entre
si, que não estão próximos, que tentam uma união momentânea. Essa
distância é ainda a distância que serve uma estranheza. Shyamalan quer
filmar duas crianças que não são crianças (não sabem brincar como
crianças, são pequenos investigadores-cineastas-cómicos) e dois avós que
não se comportam como avós.
Por tudo isto, The Visit
é menos um filme de terror, ou um filme com graça, e mais um exercício
de paralelismo entre os traumas e-mocionais de uma família e os
problemas que se colocam aos cineastas. Problemas não muito diferentes,
com solução a vir, na maioria das vezes, do mesmo sítio.
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