domingo, 10 de outubro de 2010

Amor de Pai

Esta semana apontamos a estreia em Portugal da segunda longa-metragem de Mia Hansen-Løve, Le Père de mes Enfants, vencedora do prémio especial do júri da secção Un Certain Regard, no festival de Cannes do ano transacto. Se em 2007, a esposa de Olivier Assayas e jornalista dos Cahiers, teve o que se diria uma entrada segura com Tout est Pardonné, sobre uma filha que estava a braços com o problema de toxicodependência do seu pai, agora, com 29 anos, prossegue na exploração das suas father figures, desta vez inspirado na vida e morte por suicídio daquele que teria sido o produtor de Tout est Pardonné, Humbert Balsam.

Entrecortado por um certo cinema francês, e sobretudo parisiense, de charme e melancolia urbana, não apenas pelos seus planos de genérico inicial e final, mas também pela sua estrutura narrativa cadenciada, Le Père de mes Enfants oscila entre um retrato do interior da indústria cinematográfica francesa e a dor familiar provocada por uma perda inexplicável.

Grégoire Canvel (Louis-Do de Lencquesaing) é um produtor de sucesso, com já vários filmes no currículo, e que está a braços com uma dívida da sua produtora que ascende a milhões. Entre encontros com credores e funcionários de bancos, o homem que apesar de “ser uma pessoa difícil, gosta de bom cinema”, tenta levar a bom porto a produção de “Saturno”, um filme a ser rodado na Suécia, constantemente adiado devido a problemas financeiros e à personalidade difícil do seu realizador “genial” (a alusão a Von Trier, de quem Humbert produziu Manderlay, é clara).

Nos intervalos familiares, entre chamadas de telemóvel, Grégoire assiste ao teatrinho em que as suas filhas mais novas o parodiam, ou parte de férias com a sua família para Itália num dos seus momentos mais solares do filme. E sem que se estrague esta proposta de perda que é Le Pére de Mes Enfants, diga-se que subitamente Grégoire deixa a sua mulher, Sylvia, viúva, e as suas filhas, órfãs, dando um tiro na cabeça. Essa morte empresta ao cinema de Mia Hansen-Løve uma arquitectura sentimental em desagregação, o trajecto de uma perda, mas sobretudo uma necessidade de reflectir o legado de um homem, enquanto pai e também enquanto produtor. Estas “heranças” conjugadas com a habilidade com que a cineasta demonstra a filmar o universo infantil, mostram aquilo que o filme tem de melhor para oferecer, a sua ausência de hubris, a sua maturidade sentimental.

Embora a crítica em Cannes se tenha provavelmente revisto numa série de procedimentos que implicam a manufactura do cinema, a parte menos conseguida de Le Père de mes Enfants surge precisamente no stress ou burocracia desses momentos, isto porque é “contaminado” por uma tensão silenciosa e quase imperceptível, que conduz à morte do seu protagonista e sobretudo à ideia de que o produtor é melhor pai do que produtor. Dessa forma, é o drama familiar, antes e depois da perda, que foge às reacções inexactas das lágrimas, a grande preocupação de Mia Hansen-Løve. Se é inegável que há na cineasta uma visão do cinema, que pelos olhos de Grégoire, é filtrada pela ideia de pai e mentor artístico, não é menos verdade que essa sua visão, se alarga à perspectiva de uma jovem cineasta a começar uma carreira, aqui com eco na personagem secundária do jovem realizador que, como Mia, experienciou lateralmente a morte do “seu” produtor.

E neste sentido, Le Père de mes Enfants é menos um filme sobre o cinema e mais sobre uma relação parental, sendo que essa homenagem ao “pai” de Mia, se materializa de forma muito própria, pelos seus “filhos”. Até agora são dois, os seus dois filmes.


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