A pandemia vai terminar? Daqui a uns meses, o regresso ao modus vivendi anterior? Ou a pandemia é um evento que segmenta e o confinamento é definitivo? Entre as catástrofes e as esperanças, afinam-se estratégias de culpabilidade (e esperemos de transformação!) ou de desresponsabilização. Sobre esta última tenho pensado bastante no argumento que vê a ecologia como uma bandeira ideológica. Um argumento que quem recusa responsabilidades pela ideia do antropoceno lança, dizendo: a terra quando quiser livra-se de nós, não somos tão poderosos assim para acabarmos com isto. Um argumento religioso: como se a Terra fosse um Deus que tudo pode e tudo sabe e que quando estiver em perigo, mata, infecta, confina. Mas se é um argumento religioso ele é-o apenas na estrita medida em que os seus defensores procuram lavar as mãos (e a consciência) do que temos feito de errado (ainda a cega crença no progresso e o caminho último do Bem). Deposito então o destino nas mãos da divindade Terra (e enquanto isso, poluo, ignoro, mato, infecto). Tenho pensado no paradoxo desta ideia, defendida, em muitos casos por pessoas que elas próprias professam uma religião que tem em conta aspectos como a culpa, o pecado, a boa acção, a confissão e a penitência. Para os defensores deste argumento - a Terra como "deus soberano" - seríamos finalmente fiéis livres da possibilidade de pecar. Uma duplicidade bastante conveniente, diga-se. A um deus entregamos a nossa culpa e a nossas precauções, ao outro o poder e a omnisciência de não considerar sequer as nossas acções como consequentes. Uma duplicidade ainda quase tão conveniente quanto determinar liminarmente que esta pandemia é só um percalço temporário ou, antes, que é o início do fim.
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