sábado, 23 de março de 2013

Boxe interior


Basta talvez ver Gentleman Jim (1942) para perceber que Raoul Walsh (uma espécie de contratipo de George Cukor), para ser considerado o cineasta do universo masculino só o pode ser do resto também. Walsh começa por filmar um tipo (tipo como em classe) irrequieto, irritante na sua prosápia e verticalidade. Mas que não pode ser atingido, porque precisamente não é uma pessoa, é uma ideia, uma subida de classe, um desejo comum. E Walsh filma Flynn nesse zoom out narrativo, do herói irritante ao herói bondoso que é também a passagem da abstração (o homem que quer subir de classe) ao concreto: o gentleman que aprende a esquivar-se nas ruas e depois o faz no ringue, do obstáculo social ao obstáculo físico. E é comovente ver como a brutalidade masculina é uma fachada. O antagonista, Ward Bond, que está entre Flynn e o topo da cadeia (o melhor do mundo, o olhar o mundo de cima para baixo) é o bruto comedor de bifes e camisas de lenhador que sabe afinal que mais difícil do que ser um bom perdedor é ser um bom ganhador. E é essa a lição de Flynn, de gentleman físico a gentleman emocional que inverte os papéis do início entre ele que tudo queria e Victoria Ware que, nascida em berço de ouro, nada desejava. As inversões prolongam-se por ela paga para ver a sua derrota, como se só fosse capaz de o amar na humilhação, que é como quem diz, na fragilidade. Mas extraordinário extraordinário é que um filme sobre boxe seja tão fino e delicado. Não admira que Skorecki tenha dito que Gentleman Jim tornava impossível Raging Bull. E quando vemos este, percebemos que para Scorsese só ficou o exterior, porque o que havia por dentro, o boxe interior, esse, Walsh filmou-o todo.

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