Basta
talvez ver Gentleman Jim (1942) para perceber que Raoul Walsh (uma espécie de
contratipo de George Cukor), para ser considerado o
cineasta do universo masculino só o pode ser do resto também. Walsh começa por
filmar um tipo (tipo como em classe) irrequieto, irritante na sua prosápia e
verticalidade. Mas que não pode ser atingido, porque precisamente não é uma
pessoa, é uma ideia, uma subida de classe, um desejo comum. E Walsh filma Flynn
nesse zoom out narrativo, do herói irritante ao herói bondoso que é também a
passagem da abstração (o homem que quer subir de classe) ao concreto: o
gentleman que aprende a esquivar-se nas ruas e depois o faz no ringue, do
obstáculo social ao obstáculo físico. E é comovente ver como a brutalidade
masculina é uma fachada. O antagonista, Ward Bond, que está entre Flynn e o
topo da cadeia (o melhor do mundo, o olhar o mundo de cima para baixo) é o
bruto comedor de bifes e camisas de lenhador que sabe afinal que mais difícil
do que ser um bom perdedor é ser um bom ganhador. E é essa a lição de Flynn, de
gentleman físico a gentleman emocional que inverte os papéis do início entre
ele que tudo queria e Victoria Ware que, nascida em berço de ouro, nada
desejava. As inversões prolongam-se por ela paga para ver a sua derrota, como
se só fosse capaz de o amar na humilhação, que é como quem diz, na fragilidade. Mas
extraordinário extraordinário é que um filme sobre boxe seja tão fino e
delicado. Não admira que Skorecki tenha dito que Gentleman Jim tornava
impossível Raging Bull. E quando vemos este, percebemos que para Scorsese só
ficou o exterior, porque o que havia por dentro, o boxe interior, esse, Walsh
filmou-o todo.