Vamos
lá a ver uma coisa. Qual a resposta à pergunta: para onde foram os plugs na espinha de eXistnZ, agora que, treze anos passados, surge este Cosmopolis? Se pensa que a resposta é: foram recusados devido à
experiência do real, pelo envelhecimento biológico do cineasta canadiano, então
temos um problema. O problema é que, sob o estigma de se negar um universo
temático, parece ter-se vindo, com quase uma década de atraso (o livro de DeLlilo
é de 2003), vir bater no ceguinho, isto é, sistematizar por palavras (sim, palavras), a partir
do bunker visual que é a limusine de Eric Packer, as maleitas do sistema, a
escassez da contacto humano, as ficções e tragédias do crédito, o cuidado
obsessivo do corpo, etc., etc. Ora, por muito que se veja algo mais nisto (e
nós vemos), é inegável que haja um certo tom tautológico em todo este aparato
de teatralização do cronenberguianismo que vai desde a escolha estratégica de
Robert Pattison para protagonista a outros set
pieces do filme. É que Cosmopolis é
feito a partir de um inegável espaço de conforto que ajuda a descreditar um
pouco a tensão da estratégia de teatralização nihilista, fim-do-mundo, que
Cronenberg quis para o seu filme. A panorâmica sobre o estado do mundo, o
pensar out of the box, a partir da box que é a referida viatura (mas também
claro, o cinema tout court) gera uma
certa compaixão, sobretudo pelo humanismo da odisseia por um barbeiro ou pelo
desalento anacrónico (?) que Giamatti instala perto do fim do filme.
Mas
se a resposta à questão do início é a de que os plugs que ligavam Jude Law
foram introduzidos, sem dor (sim porque a dor aqui é um luxo psicológico
“reservado” às classes baixas), no corpo de Packer, ou no da sua esposa que
adia constantemente esse sinal de medievalismo (o sexo), então estamos perante
um outro esquema. Neste, a fusão homem/máquina, mas sobretudo homem/obsessão,
que ocupou quase toda a carreira de Cronenberg, atinge o seu
zénite. O plug da espinha
invisibiliza-se, as câmaras param de mover-se, os espaços são os de onde se vê
o que não é para ser visto por nós e o único cinema passível de receber esta
fusão, abisma-se, teatraliza-se, reinando com toda a soberba no vazio. Nunca
então Cronenberg soube tão bem encontrar-se com o verdadeiro dilema desta
civilização: a abstração das emoções (Sinto mesmo isto? Estou apaixonado ou
angustiado?). Mas nesta segunda hipótese, os players já não vêem o fora como uma desalentada visão da humanidade.
É que, precisamente, já não há fora. E é assim pois que andamos todos a
manipular tudo, em seco. Porque razão não haveria Cronenberg então de ter o seu
momento lúdico, ainda para mais em prol de um feeling real? Só assim parece possível assassinar deuses que aos
28 anos já conseguiram tudo. Só assim também, permitam-nos a boutade, se evita como diz a esposa, "to go broke and die".