terça-feira, 9 de agosto de 2011

Go Get Some Rosemary: ideologia e pose

Julgamos ter compreendido a euforia que GO GET SOME ROSEMARY, segunda longa-metragem dos irmãos Benny e John Safdie, gerou aquando da sua estreia em Portugal. Num mercado determinado sobretudo pelos espartilhos da codificação audiovisual caiu-nos de repente em cima uma obra que nos primeiros minutos tem o seu protagonista Lenny (Ronald Bronstein) a comprar um cachorro quente, a cair de uma vedação junto ao Central Park e a deitar-se na relva, rindo. Esta abertura não corre o risco de que sejam escritas palavras metaforizando uma qualquer abertura de espírito que o filme transporta. O «revelável» é precisamente essa resistência a ler o descodificado através da codificação de certa crítica cinematográfica.

O caos de GO GET, o seu «aberto», não pode ser lido como o oposto do alvo habitual e cómodo do ataque da crítica: a ideologia. Esta foi o que afastou, por exemplo, tanta gente de THE TREE OF LIFE, de Terence Mallick: ele era o sentimento religioso bafiento, ele era a visão anciã e dogmática do mundo, ela era mesmo o pormenor sugestivo que vertia a ideologia em estilo cinematográfico.

Vendo um filme como o dos irmãos Safdie que narra duas semanas de um pai impossível num trajecto de possibilidade - as duas únicas semanas que pode passar com os seus dois filhos - percebemos como o estilo cassavetiano de aventura da e na representação é ele hoje embarcado nessa voragem ideológica. Será o extremo realismo, a ausência de argumento e a encenação dessa ausência, ela hoje uma ideologia? Como outra qualquer, só que virada do avesso?

Num cenário pós-ideológico, despolitizado que é o nosso, admitamos que sim e que GO GET SOME ROSEMARY procura não ser umas coisas, sendo outras definidíssimas, pelo caminho. E depois? É nostalgia nova-iorquina seventies, é infantilização adulta nouvelle vague, é anarquia vérité-style em 16 milímetros. É tudo isso. E depois?

É verdade que a nostalgia vertida em pose representativa e cinematográfica codifica o estilo dos irmãos Safdie. Contudo, na postura de Lenny, a sua velocidade, os seus defeitos, as suas negligências que sim constroem uma personagem, que sim obedecem a uma corrente artística com os seus tiques e convicções, não deixa de considerar a pose, não como um veículo de uma ideologia virada do avesso - uma espécie de anti-ideologia - mas sim chamar a si uma noção anterior de pose. Uma pose que se liga a movimentos e imobilidades, a linhas de espaço e a tempo em diferentes cadências. Na verdade, esta pose obriga a crítica cinematográfica a ir além do dogma ideológico (já era tempo, não?), e a regressar, senão a uma pureza material, pelo menos a uma honestidade pictórica que o cinema hoje nos merece.

Desta forma a postura cassavetiana de Lenny, nessa espécie de recreio optimista que é a nova-iorque cinzenta dos irmãos Safdie, dá a ver praticabilidade dos planos (contenham eles, raptos parentais ou quedas slapstick) e das pessoas que neles apareceram em toda a sua incredulidade. Fazendo juz à ideia deleuziana que a ideologia, hoje vertida numa espécie de «pose» preguiçosa da crítica, pura e simplesmente não existe.



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