sexta-feira, 25 de março de 2011

A Humanidade toda inteira

"Ó cérebros infantis!

Para nunca esquecer a coisa principal,
Vimos por toda a parte, e sem ter procurado,
Desde cima até abaixo da escada fatal,
O espectáculo enfadonho do imortal pecado:

A mulher, escrava vil, tão orgulhosa e estúpida,
A adorar-se sem rir e a amar-se sem nojo;
A homem, tirano sôfrego, devasso e cúpido,
Duro escravo do escravo e rio no meio do esgoto;

A verdugo que goza, o mártir que soluça;
O licor do poder, que vais excitando o déspota;
Este festim que o sangue tempera e perfuma
E o povo a desejar chicotes que embrutecem,

Várias religiões semelhantes à nossa,
Todos querendo ascender ao céu; a Santidade,
Como nas plumas um ser frágil se rebola,
Busca em pregos e crinas a sensualidade;

Loquaz Humanidade, ébria com o seu génio,
E, tão louca hoje em dia como em tempos idos,
Gritando a Deus, na sua glória colérica:
"Ó meu igual, ó meu senhor, eu te maldigo!"

E os menos boçais, amantes da Demência,
fugindo da manada que o Fado conduz,
Vão-se rebolando no ópio imenso!
-Tal é do globo inteiro o eterno resumo. "

in A VIAGEM, Baudelaire (tradução Fernando Pinto do Amaral)

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