segunda-feira, 24 de maio de 2010

The Temptation of St. Tony - Veiko Õunpuu


Pelo menos quem viu Sügisball (estreado em Julho de 2008 em Portugal) sabe que o realizador estónio Veiko Õunpuu defende com unhas e dentes um imaginário que é antes de tudo um scrapbook visual das suas obsessões interiores. Se isso coincidir com uma “denúncia corrosiva da sociedade estónia” tanto melhor.

Aos 36 anos, Veiko, já “midway upon his journey of life”, venceu o European Talent Award em Cannes pelo argumento de The Temptation of St. Tony. Partindo do Inferno da Divina Comédia de Dante e da lenda da tentação de Santo António (que gente como Flaubert ou Bosch imortalizaram), esta “tentação” do realizador estónio funciona como lugar de intersecção de uma simples crise de meia-idade e um simbolismo vagabundo, uma visualidade como brinquedo cinéfilo.

Tõnu (Taavi Eelmaa) é um executivo de meia-idade confrontado com a moralidade da sua vida. O que significa ser bom numa realidade negríssima onde a sua esposa o engana, a tentação por outra mulher é evidente, na fábrica tem de despedir pessoas e o ameaçam de morte enquanto ele própria mata (um cão, na estrada)?

Uma das personagens diz a dada altura que há anjos entre eles e que estes só se caracterizam pela sua “defenselessness”, nada mais. Tõnu é certamente uma personagem sem defesas, que mais do que lutar, observa. E acede ao mundo onde a reflexão moral ganha uma correspondência visual: um pastor que poderá ser o demónio, um inferno travestido de discoteca satânica ou rituais antropofágicos.

E por isso, ver The Temptation of St. Tony pode não ser mais do que isto: assistir a um anjo falhado. O espectador que “papa esta alegoria” sem problemas só tem de perceber o que fazer com um profundo sentimento de inoperância e desalento que o mundo de Veiko Õunpuu constrói.

Sim, sim, mas e para além disso? Para além disso, ninguém sabe muito bem, talvez por isso metade das vezes funcione e outra metade não. Mas lá pelo meio adiante-se a medo uma caricatura grotesca da paisagem suburbana estónia.

E termino a dizer que The Temptation of St. Tony é um filme ansioso da sua “art - house-ness”. Que termina agradecendo a Bunuel e Pasolini mas cuja dedicação talvez seja um tal de scrapbook cinéfilo mais alargado: ambientes lynchianos, deambulações antonionianas, ontologia visual bergmaniana, humor negro de Kaurismaki, e etc ainda por aí fora.

O realizador estónio Veiko ainda é um anjo que observa. E mesmo que observe bem, trata-se agora de saber como salvar o mundo. Neste caso, o seu.

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