sábado, 29 de maio de 2010
O terror de ser outro
"O actor é um "monstro", ou melhor, os monstros são actores-natos, siameses ou homens-tronco, porque encontram um papel no excesso ou no defeito que os aflige." - Gilles Deleuze in L'Image Temps
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Sud Pralad - Apichatpong Weerasethakul (2004)
A expressão era qualquer coisa como: este cinema “faz de nós espectadores novos” e foi escrita por Vasco Câmara, a propósito do filme Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives quando venceu Cannes este ano. Acho que foi esta definição do alcance do cinema do realizador tailandês de nome difícil, Apichatpong Weerasethakul, que me fez pegar no dvd de Tropical Malady (2004) e ver e ouvir por mim próprio o que este tinha a dizer.
De tal encontro, reza a lenda que:
(Da Civilização)
-reza a lenda que havia uma câmara com receio que o seu “olho” se extinguisse. Por isso, mostrava pedaços do mundo de dois homens, na esperança também que o que eles vêem e se lembram nos contamine e nos cure. Tong é apenas um amigo de soldado mas veste o uniforme na esperança de arranjar um trabalho melhor do que cortar gelo na fábrica. Keng, mais velho, o verdadeiro soldado, não quer morrer antes de conhecer o verdadeiro amor. Os dois vão ao cinema, ao centro comercial, falam com prostitutas em templos e ouvem histórias sobre a ganância de agricultores e concorrentes de concursos televisivos. A estas “wild beasts” domesticadas, Apichatpong cola-lhes um sorriso que mais do que um sinal cultural, é de uma impenetrabilidade bela que estende o fora de campo.
Mas, se isto é uma história de amor?
(Da Floresta)
-reza a lenda que entre o homem e o animal - que não são mais do que o mesmo e que estão condenados à perseguição mútua - há uma lenda que não ilustra, que não se explica. E neste set natural que é a floresta, onde a luz, a cor, a temperatura mudam por si e indicam um possível caminho da fusão entre o cinema e o mundo, um amor ancestral acontece com uma canção de felicidade. Apitchanpong filmará até ao fim, até a fusão final, este seu “remédio” para a humanidade, este seu diário íntimo, com o apoio visual de Tourneur. Mas é porque a mundividência e o estilo de Apichatpong se fundem num travelling sobre um cisne, por exemplo, que a melhor expressão para definir o seu cinema pertence a um macaco (conforme sugere Chris Barwick): “slay it if you wish to free it from its world…or be devoured, if you wish to enter it”.
Sud Pralad fará de nós "espectadores novos”? Sim, por certo, mas isso ao caso pouco interessará. O que há é uma liberdade reconfortante, enorme, que nos acompanha muito para além das suas imagens e que só pode significar uma coisa: que não devorámos mas que fomos devorados.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Madeo - Joon-ho Bong
O novo filme de Bong Joon Ho (The Host) começa com uma perversão sukoroviana e termina com uma sequência digna de Manuel Mur Oti, se este fosse coreano. Ou ainda que não fosse. Pelo meio, o realizador do filme do “monstro”, decidiu homenagear a sua mãe com uma derivação, muito derivada, de A Mãe de Gorki. O resultado é um whodunnit burlesco, vagamente incestuoso, que não deixou a sua progenitora nada contente. Sem motivo aparente pois Madeo é um filme poderoso sobre a dedicação familiar, mesmo que para lá chegar Bong Joon passe por mães a observar o pénis dos seus filhos (tão preocupada que está a mãe com a virilidade do seu rebento) e haja jovens levemente ninfomaníacas a fazer uso das novas tecnologias. A mistura de registos é intrigante e deixa um pouco na sombra o que convém realçar: Hye-ja Kim, num retrato adulto, à prova de humor mas não de amor.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
The Temptation of St. Tony - Veiko Õunpuu
Pelo menos quem viu Sügisball (estreado em Julho de 2008 em Portugal) sabe que o realizador estónio Veiko Õunpuu defende com unhas e dentes um imaginário que é antes de tudo um scrapbook visual das suas obsessões interiores. Se isso coincidir com uma “denúncia corrosiva da sociedade estónia” tanto melhor.
Aos 36 anos, Veiko, já “midway upon his journey of life”, venceu o European Talent Award em Cannes pelo argumento de The Temptation of St. Tony. Partindo do Inferno da Divina Comédia de Dante e da lenda da tentação de Santo António (que gente como Flaubert ou Bosch imortalizaram), esta “tentação” do realizador estónio funciona como lugar de intersecção de uma simples crise de meia-idade e um simbolismo vagabundo, uma visualidade como brinquedo cinéfilo.
Tõnu (Taavi Eelmaa) é um executivo de meia-idade confrontado com a moralidade da sua vida. O que significa ser bom numa realidade negríssima onde a sua esposa o engana, a tentação por outra mulher é evidente, na fábrica tem de despedir pessoas e o ameaçam de morte enquanto ele própria mata (um cão, na estrada)?
Uma das personagens diz a dada altura que há anjos entre eles e que estes só se caracterizam pela sua “defenselessness”, nada mais. Tõnu é certamente uma personagem sem defesas, que mais do que lutar, observa. E acede ao mundo onde a reflexão moral ganha uma correspondência visual: um pastor que poderá ser o demónio, um inferno travestido de discoteca satânica ou rituais antropofágicos.
E por isso, ver The Temptation of St. Tony pode não ser mais do que isto: assistir a um anjo falhado. O espectador que “papa esta alegoria” sem problemas só tem de perceber o que fazer com um profundo sentimento de inoperância e desalento que o mundo de Veiko Õunpuu constrói.
Sim, sim, mas e para além disso? Para além disso, ninguém sabe muito bem, talvez por isso metade das vezes funcione e outra metade não. Mas lá pelo meio adiante-se a medo uma caricatura grotesca da paisagem suburbana estónia.
E termino a dizer que The Temptation of St. Tony é um filme ansioso da sua “art - house-ness”. Que termina agradecendo a Bunuel e Pasolini mas cuja dedicação talvez seja um tal de scrapbook cinéfilo mais alargado: ambientes lynchianos, deambulações antonionianas, ontologia visual bergmaniana, humor negro de Kaurismaki, e etc ainda por aí fora.
O realizador estónio Veiko ainda é um anjo que observa. E mesmo que observe bem, trata-se agora de saber como salvar o mundo. Neste caso, o seu.
domingo, 23 de maio de 2010
Mas onde é que se encafuou esse "tout petit plus de rien"?
"(...) L’idée n’est pas restée lettre morte : de l’utopie (travailler sur la caméra elle-même, imaginer d’autres hypothèses pour l’évolution du cinéma, faire comme si tout cela n’était qu’un — mauvais — rêve et qu’on allait pouvoir se réveiller, recommencer le cinéma à zéro) à la réalité toute proche du possible (le cinéma d’auteur et le cinéma politique ne devenant qu’une seule et même chose, qui se fendille, qui meurt, enfin peuvent advenir un nouveau type de film, un nouveau spectateur, un nouveau rapport entre les deux), une évolution s’était faite, irréversible : peut-être, après tout, le cinéma (la représentation) n’était-il pas le mal absolu (communication impossible, médiatisée, désacralisée), peut-être n’était-il pas non plus la source de toute joie, de tout émerveillement (devant le follement réel, le follement imaginaire), sans doute n’était-il pas grand-chose, rien — ou presque : ni un moyen d’expression, ni un art, ni une industrie, mais un peu des trois : une activité qui ne porte pas (tellement) à conséquence, qui n’a que très peu de ressort et d’effet, rien mais quand même une infime partie du tout, un mélange contradictoire du sacré (l’homme devenu dieu dans le hors-champ du cadre) et de l’hérétique (bravant l’interdit de toute représentation humaine, impie) : ce n’est qu’aujourd’hui, alors qu’on le vide du peu de sens qui s’entête à adhérer encore, maintenant qu’il est moins que rien (une imposture, de la frime, du vent), ce n’est qu’aujourd’hui que cet infirme et informe mélange qui n’a plus de cinéma que le nom pourra — peut-être, sans doute — laisser se taire et se prendre quelques libertés de films, des films sans espoirs et sans illusions, neufs et tranchants, partis de rien pour aboutir à à peine plus — mais c’est ce tout petit supplément qui fera toute la différence —, un tout petit peu plus que rien (et rien à voir avec un quelconque supplément d’âme), un tout petit plus de rien." - in Contre la Nouvelle Cinéphilie - de Louis Skorecki
quinta-feira, 20 de maio de 2010
Lebanon - Samuel Maoz
Provavelmente o adjectivo que aleija menos, o mais consensual, que poderá definir Lebanon de Samuel Maoz, é poderoso. Por certo, será. Mas em que sentido? Lebanon é poderoso na medida em que carrega consigo imagens de horror e com elas a evidência. A evidência da Guerra ser esse próprio horror.
Se isto é um dado longíssimo de ser exclusivo do filme de Samuel, antes uma bandeira do género em causa, o que resta para Lebanon? Resta o seu “jackpot", a tradução visual interessante da experiência do realizador na Guerra do Líbano. Todo o filme se passa no interior de um tanque e o exterior, a ele acedemos apenas pela mira do próprio tanque. Estão encontradas as traduções directas: a claustrofobia emocional da experiência num só espaço confinado e, e aqui reside provavelmente a razão de Lebanon ter vencido o festival de Veneza, o lá fora é visto através da mira de uma arma, ou de uma câmara. Ou precisamente, em Lebanon, estes são o mesmo.
Esteticamente o filme de Maoz põe-se desta forma a jeito para atingir o espectador de forma original. No entanto, o perigo de uma ideia original como a citada, pode ser, e em Lebanon é, uma manifesto de impotência dramática (as personagens no interior do tanque são todas estereótipos) e pior, sinal de uma falta de visão artística (se no interior não há drama que chegue para tanto trauma, no exterior existem imagens cujo único filtro é a espectáculo impossível de uma guerra).
Depois é o problema de sempre. Lebanon é um filme demasiado colado à pele e os equilíbrios do que se pode/deve mostrar saem afectados. O filme tem de se retrair de forma, no mínimo, inesperada, depois de nos ter feito retorcer. E retorcemos. Mais concretamente até aos 17 minutos com aquele cavalo esventrado no meio da rua com lágrimas a correr pelo rosto. Depois disto, faça o que Maoz fizer, Lebanon já “acabou”. Não tem mais para onde ir.
Do Desejo
"(...) II est rare qu’un cinéaste puisse tout faire, écrire, réaliser, produire, contrôler son film de bout en bout. Et quand il y arrive (les exemples existent, de tout temps), n’est-il pas amené à relâcher son attention quelque part, obligé qu’il est de veiller à plusieurs choses à la fois ? Le cinéaste hollywoodien de notre (faste) époque n’avait pas de ces soucis : pris en charge par une machine bien huilée, tout son travail consistait à obéir, à réaliser ce qu’on lui demandait de réaliser, ou à désobéir.(...) Encadré de toutes parts et ligoté du côté de la liberté d’expression, le metteur en scène pouvait, s’il en avait le désir --- et c’est ce désir, insensé, inutile et vain, un désir pour rien, un désir pour tout, un désir de dire sans dire, de faire sans faire, d’être ailleurs tout en étant ici, de s’exprimer sous la pression, sous l’oppression, un désir dérisoire de vouloir faire oeuvre, de vouloir faire bonne figure et bon cœur contre mauvaise fortune, un désir de dire, un désir à peine formulé souvent de faire un tout petit peu plus que sa part imposée de travail, un désir de s’exposer à des risques, de s’exposer quelque part, de risquer quelque chose, c’est ce désir-là qui a disparu, qui disparaît du cinéma — oui, le metteur en scène pouvait s’il en avait le désir — et peut-être que maintenant il ne peut plus — il pouvait travailler dans le sublime, dans le ciselage d’un détail ou la mise au point d’un regard, dans l’éclairage d’un geste ou le débit d’un dialogue, dans l’ordonnance délicate d’une scène, dans la plus petite chose : il pouvait y mettre du sien." - in Contre la Nouvelle Cinéphilie - Louis Skorecki
segunda-feira, 17 de maio de 2010
La Mujer Sin Cabeza - Lucrecia Martel
A primeira delícia de La Mujer Sin Cabeza, terceira longa-metragem da argentina Lucrecia Martel, foi a muito contestada recepção na edição de 2008 do festival de Cannes. Público, crítica, tudo ficou de cabeça feita num oito, sem perceber nada, sendo que os mais bondosos lá se socorreram do velhinho Antonioni para situar este aparente marasmo aburguesado. Mas se virmos bem, outra reacção não seria de esperar sobre um trabalho que reflecte precisamente sobre os mecanismos da percepção humana e suas dissonâncias com o exterior. Se a sua protagonista, a dado momento, perde a cabeça e tudo o que a rodeia deixa de fazer sentido, qual seria a melhor forma de tudo isso espelhar, senão através de um enorme mapa de desorientação audiovidual?
Veronica (Maria Onetto), dentista de meia idade, faz uma pequena viagem de carro e, distraindo-se por um momento para atender o telemóvel, embate em algo. O estremeção é violento e pára um momento, atordoada, recomeçando o caminho pouco depois. Pelo espelho retrovisor vemos ao longe o que poderá ser um cão que atropelou. Mais à frente, Vero pára e sai do carro. A câmara fica no seu interior e vemos apenas o seu corpo, com o rosto já oculto, ainda a recuperar do susto. Começa a chover e num baptismo de tormenta, Vero, passa à "mujer sin cabeza” do título. O filme começa então e todo ele é de um atordoamento que não lhe passa nunca mais.
A partir daqui, o set up surrealizante podia ser exterior, como o homem sem nariz de Gogol, por exemplo, mas Lucrecia internaliza-o, desfocando a percepção que Vero tem do seu quotidiano. Nos dias seguintes não fala do assunto, evita o marido e progressivamente não sabe o que fazer, que ordens dar aos seus criados. Toda a gente é “tan rara”, como diz Lala, sua mãe, em adiantado estado de senilidade. Sobretudo porque o seu sangue está estancado. “No se duerma”, aconselha uma paciente no hospital. E no fundo, todo o problema de Verónica é, precisamente, de fluxo sanguíneo adormecido, transmutado em circulação da água: a água que baptiza e purifica, a água que está turva, a água que não pode molhar o cabelo e que pode matar a tartaruga da piscina; ainda a água inerte do canal entupido por razões misteriosas.
À medida que os laços com a realidade se vão tornando mais soltos, Vero surge prostrada, dolente, na cama, no carro, sempre assistindo dormente ao seu quotidiano, como se de um filme incompreensível se tratasse. Essa é a forma de Lucrecia exteriorizar o interior em ebulização da sua protagonista. Como se a velocidade do dia-a-dia e das pequenas coisas não coincidisse com a forma como a protagonista se apercebe e se incorpora nessa realidade.
E a sua distorção de percepção é também a do espectador. Naquilo que se vai sabendo a conta gotas, no fluir de frases in media res que ligam lentamente Vero ao real. Nesse sentido, somos lançados num abismo de ligações visuais e auditivas que ajudam a reconstruir a trilha psicológica e histórica da sua protagonista. Do estilo de Lucrecia sobressai essa mesma desorientação: na recusa dos planos espaciais, explicativos, que exigem do espectador que infira pelo diálogo, pelo som, tudo o que não está lá, todas as relações entre personagens ou situações narrativas. Na composição dos planos, Vero surge sempre em foreground, background ou entre acções (curiosa a forma como essa relação é mimada na forma de ver os homens: atrai o amante - o cá-, afasta o marido - o lá -, e a invasão carinhosa do irmão - o entre). Mas nunca chega a ser o centro activo de acção, antes sempre solicitada por estímulos. Se o seu foco de atenção/percepção muda constantemente, o nosso fá-lo também com uma campaínha, um miúdo que passa ou uma criada que entra. Perante a inacção de Verónica, todos os elementos do real se agigantam, conferindo-lhes uma dimensão de omniprotagonistas. Parodoxo do real sem foco é ele poder ser assim desordenadamente surreal. Só por estas razões, por este cinema como estado de perplexidade interior e de esforço de resistência causados no espectador, La Mujer Sin Cabeza já seria uma obra prima. Perplexidade que traz as questões: a realidade é isto?; é tudo isto?; ou só isto?
À medida que as idéias vão assentando (como o copo de água turva no hotel, a seguir ao acidente), Vero começa a desconfiar que poderá ter atropelado um ser humano e não apenas um cão. Assim como nunca tinha sido um filme sobre amnésia, o filme de Martel também não se converterá numa reflexão sobre a culpa, nem sequer sendo importante o que estava lá ao longe naquele plano do retrovisor. Seja um erro de percepção ou uma morte negligente, ganha dimensão antes o que uma classe familiar faz para esquecer essa possibilidade. “Es un perro”, repete o marido quando voltam ao local para averiguar. Esse facto completamente esquecido entre prendas de casamento e inaugurações de piscinas deixa mascarada uma oposição de classes. O “chango” desaparecido pode rapidamente ser substituído por outro na loja de vasos. Lembremos a oposição inicial entre os jovens burgueses enclausurados nos carros, imunes à realidade, e essoutros de classe inferior que correm e se sujam pelo campo. Ou o valor da morte: o choque de Vero que atropela um cão contraposto à prontidão com que uma das suas criadas se oferece para esfolar um animal que o o seu marido matou.
Em tudo o mais La Mujer Sin Cabeza continua a ser plenamente o cinema de Lucrecia Martel. Os locais exíguos são os espaços de contaminação onde evolui uma certa promiscuidade das relações familiares: o pântano, a piscina, os quartos são os pontos de contacto onde a proximidade adensa pulsões interiores e o contacto dos corpos. Nessa proximidade, a tarefa de auto-descoberta identitária de cada um torna-se mais flagrante. A descoberta sexual e espiritual de La Nina Santa dá aqui lugar ao élan lésbico da sobrinha pela tia (“as cartas de amor são para se responder ou para se devolverem”) ou à própria relação adúltera que Vero mantém com o primo.
Quando as confirmações do dia da tormenta, o dia fatídico, se vão desmentindo (tudo o que se passou “es vero?”), é tempo para novo baptismo, e Vero, antes loura, surge agora de cabelo negro, em aberta homenagem a essoutro desfasamento identitário de Kim Novak em Vertigo. Assim, a dita cabeça “solta” da realidade vai começar a colocar-se lentamente de novo sob os ombros. Mas essa integração não é completa. Por isso, o último plano de Vero na reunião familiar de sexta à noite surge desfocado e entremeado por um vidro. Mais uma vez, a argentina filma o “ainda” e o “já não”, com a esperteza de uma criança ousada.
Maradona By Kusturica - Emir Kusturica
O título Maradona by Kusturica, a par com o poster oficial do documentário do realizador sérvio, parece ser bastante claro quanto à premissa que sustem o retrato sobre a estrela argentina Diego Armando Maradona. Naquele, Emir surge - em pequeno - contra um muro onde o futebolista - em grande - aparece em forma de ícone com evidentes semelhanças à célebre composição de Che Guevara. A disposição gráfica indicia portanto que o “by Kusturica” é a afirmação de uma subjectividade presente mas menorizada face ao objecto a retratar.
Mas se assim fosse para quê afirmá-lo? Uma vez que o acto documentarista é por excelência um espaço de subjectividade controlada. Parece-nos então que a razão da presença autoral bem vincada mostra que a dimensão gráfica apresentada no poster – uma presença em destaque e outra secundarizada - é um logro. E não são só as razões comerciais que ditam que este seja antes um documentário Maradona and Kusturica.
Desde as primeiras imagens do documentário que Kusturica cola simultaneamente à imagem de Maradona uma dupla dimensão: a de um Deus, em celebração do qual o próprio movimento do planeta poderá ter sido alterado quando todos saltámos a festejar o seu golo contra a Inglaterra na final do Mundial de 86; e a de ícone revolucionário, símbolo e herói de um mundo injustiçado contra o poderio das potências americanas e inglesas sobre o resto do globo. Mas não nos esqueçamos que quem isto diz é, ela própria, uma superstar do cinema mundial, (pelo menos desde Underground) com direito a uma cidade “sua” no sul da Sérvia e com conhecidas opiniões activistas. Ou seja, para um discurso tão excessivo era necessário alguém tão igualmente excessivo para o proferir. E é nesta equivalência e comparação de egos, entre o realizador e o futebolista, que se encontra, na nossa opinião, o que de melhor tem Maradona by Kusturica para nos oferecer. No fundo, a questão que se coloca é: como pode um deus admirar outro deus?
Neste sentido o documentário superioriza de forma algo vazia o astro argentino, pululando de forma mais ou menos anárquica entre entrevistas intimistas a Maradona, sequências de animação kitch e curiosidades acerca da lenda (como é o caso da igreja maradoniana e seus rituais cómicos). Ou seja, a forma, despretenciosa, vagueante, pertence por inteiro ao deus sérvio. E neste discorrer autoral, entre citações de Borges e Baudelaire que possam ilustrar a visão que Kusturica tem do mito Maradona, a admiração surge meramente circunstancial. Admitimos que essa circunstancialidade pode ser meramente aparente mas é o que se pode concluir da afirmação de que os verdadeiros heróis têm se ser simples e honestos e depois se intelectualiza o discurso como o faz Kusturica. Veja-se a relação traçada a seco entre o fascínio por Maradona e as ideias generalíssimas sobre Jung e Freud. É como que um falso olhar de cima para baixo, da alta cultura para a baixa cultura, caindo assim a estratégia de endeusamento de Maradona em algo pouco credível, pouco fundamentado.
Maradona diz a certa altura que é um verdadeiro actor da sua própria vida. Mas em Maradona by Kusturica, o futebolista argentino, na sua incrível dignidade de deus em crise interior, assume o papel de actor, não da sua vida, mas de um filme de Emir Kusturica e da sua visão pseudo revolucionária da humanidade. E isto sem que se aperceba muito bem de como tudo se passou.
Resta-nos que da premissa inicial de Maradona by Kusturica ressai a sua cirúrgica pouca eficácia: na forma de construir um retrato esclarecedor; e mesmo no mais fácil e evidente, traçar as ligações biográficas e de carácter entre Maradona e Emir Kusturica. As ligações surgem substituídas por comparações. E já sabemos quem fica por baixo.
A voracidade entre deuses serve-se fria.
Go Go Tales - Abel Ferrara
Perguntaram a Abel Ferrara, aquando do lançamento deste Go Go Tales, já lá vão quase dois anos, porque tinha decidido filmar em Itália, mais concretamente nos célebres estúdios da Cinecittá, uma obra tão nova iorquina. O cineasta, além de desmentir o apego exclusivo do filme ao espaço em causa, frisou que não estava para aturar os caprichos dos estúdios norte-americanos e que lá (em Itália) eles ainda queriam saber de cinema. Esse querer saber, neste contexto referente a métodos de produção mais do que a qualquer outra coisa, possui no cinema de Ferrara uma dimensão fundamental.
O cunho pessoal do seu universo de exploitation não está na forma como filma o grotesto e o vulgar integrados numa narratividade solta e onírica. Nem sequer na sua iconografia vagamente felliniana, onde a demência e a sanidade não jogam em campos opostos. Está sim no facto de tudo isso nos ser dado a partir de dentro, com um seriedade moral que convoca valores, dir-se-ia, clássicos. O seu know how é muito feito dessa ténue linha entre o trash assumido e o “querer saber” das coisas, do mundo.
Essa tensão surge límpida em Go Go Tales. O cenário é um clube nocturno de strip, o “Paradise”, local que parece ter os dias contados, com os turistas a aparecerem cada vez em menor número e as dúvidas a acumularem-se. O seu dono, Ray Ruby (Willem Dafoe), um noctívago viciado em jogar na lotaria, luta como pode para manter o seu espaço aberto: adia até à exaustão o pagamento às suas bailarinas, tenta evitar que a senhoria (Sylvia Miles) reclame o espaço dado o atraso na renda, além de lidar com as ameaças do seu irmão (Matthew Modine), um cabeleireiro famoso com porte à Andy Warhol, em retirar-lhe o apoio financeiro.
Por muito curioso e deambulatório que seja o olhar de Ferrara, e é-o, nas danças das performers, nos conflitos banais do dia-a-dia aqui ganhando uma dimensão bizarra, ou na imersão da luz e banda-sonora, o que ressai é o erotismo apagado do seu paraíso, onde seios e celulite merecem igual destaque. Esse seu espaço de observação, que nas mãos de Robert Altman, por exemplo, ganharia uma textura semi voyeurista, é aqui sempre um ponto de partida do qual o cineasta, como se disse, também faz parte.
Mas Abel Ferrara está mais interessado no tale, em extrair a moralidade da imoralidade. Por isso, Go Go Tales afirma-se sobretudo como alegoria da capacidade de manter um sonho e gerir os seus milagres (Ruby quer manter-se afastado do sol da Califórnia, sendo que de momento, o outro sol, o artificial do solário, explodiu); e ainda como comentário ao destino de trabalhadores encerrados em trabalhos menores à espreita de um oportunidade de ver o sol real (veja-se a sequência em que, semanalmente, o cabaret se transforma em montra de talentos, após o expediente). Enquanto essa linhas de fuga não chegam, e o mais certo é que possam nunca chegar (é pelo menos esse o significado do olhar final do seu protagonista), tudo se resume a capitalizar a ideia de que “people love to see other people fail” e a manter unida a família. E nunca Abel Ferrara se filmou, via Willem Dafoe, tão “pai de família”, tão ciente dos seus vícios. O que personifica simultaneamente o seu optimismo e a sua contrição face às habituais dificuldades de distribuição das suas obras.
Palermo Shooting - Wim Wenders
Não é mistério para muita gente que a identidade autoral sempre foi para Wim Wenders uma espécie de catalizador traumático do seu universo artístico. Essa identidade é algo que, na sua óptica, tem de ser constantemente alimentada por mais do que obras, por acções visíveis que traduzam a cada momento o reafirmar de um estatuto. Já quase trinta anos se passaram desde Lightning Over Water, (1980). Aparte os discursos de homenagem conduzida por um fascínio ou, nos antípodas, de exploração eticamente duvidosa, o certo é que o documentário sobre os últimos momentos da vida de Nicholas Ray representa, na carreira de Wim Wenders, uma primeira eulogia: um primeiro passo de entrada, ou aproximação, mais ou menos forçada, ao panteão dos “grandes” (se é que tal espaço existe).
É pelo menos desde aí que o sucesso de Wenders se constitui, através da permeabilidade das suas personagens a essa insegurança identitária. Personagens em viagem e em vazio interior que percorrem o espaço exterior como se caminhassem “por dentro”, no cruzamento de uma espécie de naufrágio emocional e geográfico. Paris, Texas (1981), Lisbon Story (1994), Wings of Desire (1987) menos, expuseram Wenders dessa maneira, em plena travessia de fascínio pelo mundo e incerteza existencial.
Em Palermo Shooting, nomeado para a Palma de Ouro em Cannes mas também já apelidado como um dos piores filmes de 2008, o envelhecimento ganha expressão no território dramático do realizador alemão. Naquele, Finn, um conceituado fotógrafo germânico (interpretado por Campino, o vocalista da célebre banda rock alemã Die Toten Hausen) parte para uma viagem de “trabalho” em Palermo, com o fim de esclarecer o seu estado de misteriosa insatisfação. Apesar do sucesso profissional, o fotógrafo, marcado pela morte da mãe, começa a sentir o tempo como mera escassez de minutos até ao fim. E se na sua primeira metade Palermo Shooting é a instalação da “suspeita” em Finn, na fria Dusseldorf natal de Wenders, a segunda parte corresponde a uma desterritorialização como forma de exorcismo interior, ganhando a obra contornos de travelogue/thriller místico (exorcismo e viagens essas, tão caras a Wenders).
O mais constrangedor é a limpidez de tudo isto: a clareza do alter ego sempre vitimizado de Wim Wenders e o ressurgimento dessa angústia latente de não pertença ao mundo dos grandes cineastas (que o falhanço das últimas obras incutiu de novo no realizador). Assim, há uma pressa de nova aproximação ao mundo autoral, como se precisamente o tempo nunca fosse agora, mas sim uma corrida pela afirmação, como ilustra o final do filme. E nessa corrida, Wenders visita Antonioni (o fotógrafo de Blow Up), Bergman (a célebre composição da morte em The Seventh Seal), a morte da imagem barthiana, o expressionismo, os sonhos “gondrianos” e até um certa tensão surreal que em Lynch seria ironia da desconstrução e que em Palermo Shooting se converte em superficialidade.
Nesse sentido, a digressão da obra de Wenders não é pelas ruas de Palermo, não é sequer pelo conflito de uma personagem que vê o tempo a passar inexoravelmente. É sim um road movie pelas identidades que Wenders gostaria de ter assumido. Por isso, filma as pessoas, as ruas, com uma pressa de as ter nos seus planos, uma urgência de ilustração simbólica, onde o que ganha protagonismo é a câmara em si e não o lado de lá. "O estranho caso de Wim Wenders" é precisamente o análogo ao dilema do filme de Fincher: o envelhecimento ao reverso, não de dum corpo físico mas de um corpo de ideias.
Uma das personagens diz, a certo momento, que a imagem fotográfica é como que a morte do momento, da realidade, o inverso do próprio cinema. Acrescentamos nós que filmar uma história onde todos os seus elementos tudo fazem como se estivessem a ser observados pelo espectador é, senão o inverso do próprio cinema, pelo menos uma entropia desinteressada do mesmo.
É pelo menos desde aí que o sucesso de Wenders se constitui, através da permeabilidade das suas personagens a essa insegurança identitária. Personagens em viagem e em vazio interior que percorrem o espaço exterior como se caminhassem “por dentro”, no cruzamento de uma espécie de naufrágio emocional e geográfico. Paris, Texas (1981), Lisbon Story (1994), Wings of Desire (1987) menos, expuseram Wenders dessa maneira, em plena travessia de fascínio pelo mundo e incerteza existencial.
Em Palermo Shooting, nomeado para a Palma de Ouro em Cannes mas também já apelidado como um dos piores filmes de 2008, o envelhecimento ganha expressão no território dramático do realizador alemão. Naquele, Finn, um conceituado fotógrafo germânico (interpretado por Campino, o vocalista da célebre banda rock alemã Die Toten Hausen) parte para uma viagem de “trabalho” em Palermo, com o fim de esclarecer o seu estado de misteriosa insatisfação. Apesar do sucesso profissional, o fotógrafo, marcado pela morte da mãe, começa a sentir o tempo como mera escassez de minutos até ao fim. E se na sua primeira metade Palermo Shooting é a instalação da “suspeita” em Finn, na fria Dusseldorf natal de Wenders, a segunda parte corresponde a uma desterritorialização como forma de exorcismo interior, ganhando a obra contornos de travelogue/thriller místico (exorcismo e viagens essas, tão caras a Wenders).
O mais constrangedor é a limpidez de tudo isto: a clareza do alter ego sempre vitimizado de Wim Wenders e o ressurgimento dessa angústia latente de não pertença ao mundo dos grandes cineastas (que o falhanço das últimas obras incutiu de novo no realizador). Assim, há uma pressa de nova aproximação ao mundo autoral, como se precisamente o tempo nunca fosse agora, mas sim uma corrida pela afirmação, como ilustra o final do filme. E nessa corrida, Wenders visita Antonioni (o fotógrafo de Blow Up), Bergman (a célebre composição da morte em The Seventh Seal), a morte da imagem barthiana, o expressionismo, os sonhos “gondrianos” e até um certa tensão surreal que em Lynch seria ironia da desconstrução e que em Palermo Shooting se converte em superficialidade.
Nesse sentido, a digressão da obra de Wenders não é pelas ruas de Palermo, não é sequer pelo conflito de uma personagem que vê o tempo a passar inexoravelmente. É sim um road movie pelas identidades que Wenders gostaria de ter assumido. Por isso, filma as pessoas, as ruas, com uma pressa de as ter nos seus planos, uma urgência de ilustração simbólica, onde o que ganha protagonismo é a câmara em si e não o lado de lá. "O estranho caso de Wim Wenders" é precisamente o análogo ao dilema do filme de Fincher: o envelhecimento ao reverso, não de dum corpo físico mas de um corpo de ideias.
Uma das personagens diz, a certo momento, que a imagem fotográfica é como que a morte do momento, da realidade, o inverso do próprio cinema. Acrescentamos nós que filmar uma história onde todos os seus elementos tudo fazem como se estivessem a ser observados pelo espectador é, senão o inverso do próprio cinema, pelo menos uma entropia desinteressada do mesmo.
domingo, 16 de maio de 2010
Karins Ansikte - Ingmar Bergman
Ingmar Bergman dizia que as pessoas falam a maioria das vezes dos seus “momentos decisivos”, mesmo que eles não existissem da mesma forma como eram retratados. E que, por sua vez, os dramaturgos faziam desses mesmos momentos ficção. Ingmar Bergman quase que viveu aquilo em que acreditava.
Se a sua infância foi o “momento decisivo” da sua personalidade e carreira, ele sempre resistiu a que esta se transformasse na sua verdade ou ficção. Isto até Fanny och Alexander, o seu testemunho final, filme autobiográfico. Se a sua infância era um momento que tinha que “arrumar” e fê-lo com Fanny, Bergman depois escreveu, mas não realizou, Den Goda Vijlan (As Melhores Intenções) e Söndagsbarn (Filhos do Domingo). O primeiro, dirigido por Billy August, inspira-se nos anos de juventude dos pais antes do seu nascimento, o segundo, retoma as mesmas personagens uma década depois. O seu filho, Daniel Bergman realizou.
Estas três obras manifestam uma clara tensão entre a necessidade do Bergman - homem assumir uma primeira pessoa e o pudor, mais artístico que emocional, de lidar com esse registo.
Para além destas três obras, costuma ficar na penumbra Karins Ansikte, uma curta-metragem memória de 1984 na qual o cineasta faz um tributo à mãe, Karen. “Karen obteve este passaporte poucos meses antes de morrer”. Estas são as palavras com que Bergman mostra a sua mãe. Depois, a vida dela vai passar numa sucessão de fotografias. Karins tem sido apontado como um case-study de algumas das elaborações teóricas que se fizeram sobre Fotografia, com Barthes à cabeça. É contudo um olhar mise-en-scène por excelência que filtra a realidade do passado visto, olhado, por Bergman. É esse olhar cinematográfico quem comanda as panorâmicas sobre uma paisagem ou o zoom sobre um gesto. É nas mãos ou no olhar de Karen que Bergman parece querer saber qual é o cinema para além do registado, da imobilidade da fotografia. E também querer saber em que é que sempre pensou a sua mãe. Em todas as idades e realidades que conheceu. A composição e a atenção ao pormenor e a procura, torturada e constante procura de Bergman, acabam por fazer de Karins um filme profundamente anti-fotográfico.
São as mãos de Karen ou o olhar triste de um cão que o cinema enaltece. E a realidade fotografada ganha uma densidade emocional, falsos “momentos decisivos” do seu universo familiar.
Quase no final, uma das poucas legendas interrompe a música: “Agora Karen está cada vez menos presente nas fotos familiares”. Lentamente as fotos vão sendo de grupo, menos distintas, anunciando o período de doença, antecipando, finalmente, a “singularidade": a imagem da sua mãe no passaporte, na fotografia de “viagem”.
sábado, 15 de maio de 2010
Ballast - Lance Hammer
Não há dúvida que, após a hora e meia deste Ballast, o olhar de preenchimento dos seus espectadores depositarão fundadas esperanças na carreira de Lance Hammer.
Contudo, muitos falo-ão possivelmente pelas razões erradas.
Que não se espere do cineasta o prosseguir de um cinema slice of life, cru, dardenniano, de exposição da crueldade do mundo para quem a quiser ver. Ou pelo menos, que tal não se faça com base em Ballast. E isto por uma razão simples: é que, embora sim, o filme possa ser um manifesto opaco de resistência indie; e que, sim o seu protagonista seja um jovem suburbano do Delta viciado em droga, fascinado por armas, à deriva entre uma mãe com trabalho precário e um tio que aprenderá a ser pai; o certo é que a resistência dos planos de Ballast à metaforização, à leitura patusca de denúncia social, o transformam numa obra da natureza. A câmara e a luz do britânico Lol Crawley vinculam ora peso, ora leveza, num fundo em que as pessoas (não são personagens, dir-se-ia) vão vivendo ao ritmo dessa natureza que ora as comprime ora as liberta. E nessa “respiração”, o seu silêncio pode muito bem ser compensado pelos pássaros, pelos passos na terra ou pela chuva. O prolongamento dessa natureza são os 35 mm que Hammer usou, é a inusitada sensibilidade para o uso de câmara à mão e sobretudo o triângulo de não actores que vivem sempre sob a luz natural.
Obviamente que há que pensar também na sombra da devastação do Katrina, ou na estranheza do retrato de uma tal densidade no interior do universo “african american”. Mas é sobretudo a Graça (de uma simbolização carnívora) que emana do desconforto dos três, James, Martee e Lawrence, e a singularidade da viuvez deste último (a quem lhe morre o irmão gémeo; já não irão de férias juntos) que nos permanecem como insistências desta assinalável fortaleza temática e formal.
E ainda o amor.
Marlee prostrada, despedida, de mão na testa, a tomar consciência que o filho lhe está a fazer o jantar. Ou as balas espalhadas pelo terreno lamacento. Não mais Ballast acabará como começou: com uma tentativa de suicídio. Tudo por amor, um amor escondido, despercebido, martirizado ainda sem o saber. O amor de James.
Ver Ballast é assim assistir à reposição de um equilíbrio. Como quase todo o bom cinema, aliás. Só que desta feita, esse equilíbrio não é uma recuperação pós-desastre, pós-morte, é antes a serenidade trazida por esse acerto do mundo. Uma morte, a do pai, que de ausente a Ausente traz a paz. Uma paz que se adivinha silenciosa.
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