Ao rever "Roma, Cidade Aberta" para uma aula dou por mim a tropeçar naquele estereotipo verdadeiro de como as obras maiores são poços sem fundo nos quais caímos sempre que lá deixamos entreter o olhar. Desta vez fiquei a cismar naquele momento em que o Don Pietro, no calabouço nazi, diz ao desertor austríaco - personagem magnífica e síntese das contradições da guerra - para ficar calmo e tentar rezar. No plano seguinte, vemos o austríaco encostado a uma parede, mais calmo, sim, rosto iluminado na cela toda escura. Ele repara em qualquer coisa fora de campo e Rossellini segue com a câmara o seu levantar. Dá uns passos na escuridão até que volta a ficar banhado de luz, mão que lentamente sobe junto à parede para tocar "isso" que acabara de ver. A luz do plano lembra-nos essa luz do céu - o padre havia-lhe dito para serenar na oração - e uma ascensão espiritual. Mas o terrível é que a luz que nos lembra esse momento de ascese é a mesma luz que nos irá revelar, afinal, o objecto da sua atenção: o cano onde se irá enforcar. Oração e suicídio numa questão de segundos, na mesma luz, no mesmo caldo ambíguo da salvação e da perdição. Perdão, da resistência.