Custa um pouco ser cirúrgico e adoptar uma postura de detachment face a Detachment
(O Substituto, 2011) de Tony Kaye, sobretudo porque se trata de um
filme tão quixotesco. Abraçando temas que vêm estando há muito na ordem
do dia como a insubordinação escolar, a falência dos sistemas
educativos, a violência escapista e existencial dos adolescentes, o
filme veículo para Adrian Brody (é também produtor executivo) nunca é
capaz de formular um discurso muito rico de construção ideológica ou
formal face ao problema.
Brody é um professor substituto com nome de teórico da literatura
(Henry Barthes), que nunca tem obrigações de continuidade. É o
“homem-nota”, que passa de mão em mão, de escola em escola. Tem de
chegar a uma escola, manter a “ordem” por um período provisório e depois
seguir para a próxima. Rimando com esses saltos constantes está o seu
próprio passado atormentado que envolve um avô moribundo e uma mãe que
se suicidou quando era criança. Desde cedo que há um negrume no centro
do filme e da sua personagem (até na forma como Brody fala, trazendo a
gravidade mas também uma pseudo-noção de sabedoria) que é exponenciado
pelo mosaico de personagens que o circundam: a adolescente prostituta
(Sami Gayle), a directora do escola que será substituída em breve
(Marcia Gay Harden), o professor que tudo leva com sentido de humor e
comprimidos (James Caan), a jovem com problemas de auto-estima (Bety
Kaye), etc.
O problema aqui não será tanto uma simbologia que estas personagens
emprestam a um mal-estar que leva ao sofrimento, à deriva, à falta de
saída para um sistema em pane total. A questão é que essa dor em ronde, sem saída (reproduzida pelos flashes do
passado de Barthes, pelos movimentos de deambulação pelas ruas) é
concretizada por uma espécie de dor geral pelo estado do mundo (veja-se
por exemplo, a cena em que o professor chora no autocarro ou o momento
do discurso aos alunos sobre o “marketing holocaust” e a necessidade de
saber ler como forma de libertação da imaginação). Essa “falta de
saída”, este sea of pain, nunca é vista por Kaye como uma potencialidade [como fez Gus Van Sant em Elephant (Elefante,
2003), por exemplo] mas sempre com um beco, uma dor circular pelos
planos contrapicados, à mão, um pouco inconsequentes sobre o espaço da
escola. Ou até mesmo pela divagação musical dos Newton Brothers que
querem sempre reescrever a lágrima com a lágrima. Tudo isto produz um
certo olhar samaritano, difícil de encaixar, mas que se deve menos à
soberba e mais a uma postura algo naif.
E depois Barthes chega até nós, depois de todo este trajecto, como non person, como hollow, e
em que o espectador, mais do que acreditar nas modulações do seu drama,
se sentisse tentado a pensá-lo como preso no seu próprio trauma, preso
no seu próprio pessimismo, reproduzindo na idade adulta a dor
adolescente, atroz e única, que o filme tenta apaziguar. Poderia o
protagonista suicidar-se depois do filme acabar, em vez de ler uma
citação de Allan Poe exemplificando como The House of Usher é
sobretudo um estado de espírito? Poderia, sim senhora. Como se já não
houvesse nenhuma distinção entre a política mercantilista da educação,
do “no child left behind” e uma outra que já não deixa para trás os
próprios adultos.
Mas insistimos na boa vontade do argumento de Carl Lund, com algumas
boas tiradas, com a ajuda de Harold Pinter, Poe, Orwell, mas que é
contida numa armadura estilística (as câmaras subjectivas, à mão, os
discursos frontais para a câmara, as imagens da cidade, do passado) que
acabam por poluir essa genuína preocupação de base e transformar Detachment num
filme que não é particularmente inovador ou ambicioso, mas que contém
momentos interessantes o suficiente para nos fazer não dar por
desperdiçado o tempo que estivemos a vê-lo.